O juiz Valdemir Ferreira Santos estabeleceu um ultimato para a Polícia Civil do Piauí: concluir em apenas 30 dias o inquérito que investiga a astronômica dívida de R$ 56 milhões acumulada pelo Hospital São Marcos junto à Fundação Municipal de Saúde (FMS) de Teresina. A determinação judicial, assinada em 31 de março, foi encaminhada à Delegacia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (DECCOR-LD), intensificando a pressão sobre as autoridades policiais.
A investigação, que ganhou corpo em 29 de outubro de 2024 sob comando do delegado Dennis Lustosa Sampaio, nasceu após denúncia da própria FMS ao Ministério Público piauiense, revelando um complexo esquema financeiro que comprometeu milhões em recursos destinados à saúde pública.
O LABIRINTO FINANCEIRO: COMO UM HOSPITAL ACUMULOU R$ 56 MILHÕES EM DÍVIDAS
Um minucioso relatório produzido pela FMS em abril de 2024 escancarou a gravidade da situação. A auditoria interna, inicialmente voltada para identificar reduções suspeitas nos repasses para procedimentos de média e alta complexidade, acabou desvendando uma teia de empréstimos bancários que usavam como garantia os repasses do Fundo Nacional de Saúde (FNS).
Entre 2016 e 2024, o Hospital São Marcos contraiu operações de crédito junto à Caixa Econômica Federal e ao Bradesco que totalizaram a impressionante cifra de R$ 123.028.571,00. Como consequência direta, o FNS descontou R$ 64.461.830,26 dos repasses destinados ao Fundo Municipal.
A bomba-relógio financeira foi armada quando a FMS deixou de realizar grande parte dos descontos mensais correspondentes, deduzindo apenas R$ 19.361.009,72 do montante devido. Esta falha gerou um buraco de R$ 45.100.820,54 que, com a adição de juros, ultrapassou a marca dos R$ 56 milhões.
GUERRA JURÍDICA: HOSPITAL TENTA ESCAPAR DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Em janeiro de 2025, a defesa do Hospital São Marcos partiu para o contra-ataque. Os advogados da instituição enviaram um ofício ao DECCOR pleiteando o arquivamento do inquérito, argumentando que os empréstimos foram uma medida desesperada diante dos constantes atrasos nos repasses da FMS.
"Os empréstimos contraídos pelo Hospital São Marcos evidenciam o impacto dos atrasos nos repasses da FMS em sua saúde financeira. A instituição se vê forçada a buscar recursos no mercado para garantir a continuidade de suas atividades, arcando com o ônus de juros e taxas que comprometem sua sustentabilidade", alegou a defesa no documento.
A estratégia jurídica do hospital incluiu ainda a afirmação de que a própria instituição teria alertado a FMS sobre a irregularidade nos descontos, tentando caracterizar uma postura de "boa-fé" e transferindo a responsabilidade para a gestão municipal. Com base nesses argumentos, os representantes legais sustentaram a ausência de "justa causa" para a continuidade das investigações criminais.
COLAPSO ASSISTENCIAL: PACIENTES COM CÂNCER COM VÍTIMAS DA CRISE
O drama financeiro transbordou para a assistência em 24 de abril, quando o Hospital São Marcos anunciou a suspensão parcial dos atendimentos oncológicos. A instituição, que atende majoritariamente usuários do SUS, atribuiu a interrupção dos serviços à "absoluta falta de medicamentos" provocada por um suposto atraso de 19 meses nos repasses contratuais da Prefeitura de Teresina.
A gravidade da situação mobilizou a Ordem dos Advogados do Brasil no Piauí (OAB/PI), que ingressou com uma Ação Civil Pública na Justiça. O pedido de tutela de urgência visa obrigar a FMS a garantir a retomada imediata dos tratamentos oncológicos no hospital.
A ação da OAB/PI destacou um fato alarmante: o Hospital São Marcos é a única unidade de saúde no estado credenciada pelo SUS para oferecer serviços de alta complexidade em oncologia. A paralisação dos atendimentos, portanto, representa uma ameaça direta à vida de centenas de pacientes com câncer em todo o Piauí.
Enquanto o prazo judicial de 30 dias corre, pacientes oncológicos, gestores públicos e a direção do hospital aguardam com apreensão o desfecho de uma investigação que pode revelar muito mais que números em um balanço contábil.