Uma realidade alarmante assombra o Piauí: mais de dois terços dos cigarros vendidos no estado têm origem criminosa. Dados recentes do Instituto de Pesquisas e Consultoria (Ipec), solicitados pelo Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), revelam números que expõem a dimensão do problema.
O território piauiense figura entre os campeões nacionais do comércio ilegal de tabaco, com impressionantes 68% de participação no mercado local. Apenas o Maranhão supera essa marca, atingindo 70%, enquanto o Rio Grande do Norte empata com o Piauí no mesmo patamar preocupante.
NORDESTE LIDERA RANKING NACIONAL DO CONTRABANDO
A concentração regional desenha um mapa da ilegalidade: o Nordeste brasileiro ostenta 43% de cigarros ilegais em circulação, superando significativamente a média nacional de 32%. Essa supremacia negativa transforma a região em território fértil para organizações criminosas.
Os números traduzem uma movimentação financeira robusta para o crime. Somente no Piauí, o mercado clandestino de cigarros injeta aproximadamente R$ 135 milhões anuais nos cofres de facções. No Maranhão, esse valor salta para R$ 356 milhões, resultando numa evasão de R$ 111 milhões em ICMS.
A soma dos dois estados alcança quase R$ 500 milhões movimentados exclusivamente pelo comércio ilegal de tabaco em 2024.
IMPOSTOS ELEVADOS IMPULSIONAM MERCADO NEGRO
Especialistas identificam na política tributária um dos principais combustíveis para o crescimento da ilegalidade. Entre 2023 e 2024, Maranhão e Piauí implementaram dois reajustes consecutivos no ICMS sobre cigarros, ampliando drasticamente o abismo de preços entre produtos legais e contrabandeados.
Essa diferença de valores cria um ambiente propício para o florescimento do mercado negro, onde organizações criminosas encontram terreno fértil para expandir suas operações.
FACÇÕES CRIMINOSAS DOMINAM TERRITÓRIO NORDESTINO
O cenário torna-se ainda mais preocupante quando analisado sob a perspectiva da expansão do crime organizado. Levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública identifica 46 das 88 organizações criminosas mapeadas no Brasil atuando com forte presença nordestina.
Esse crescimento representa um salto significativo: em 2023, o país contabilizava 72 organizações criminosas, sendo aproximadamente 30 concentradas na região. Atualmente, essas facções disputam territórios e controlam rotas estratégicas de contrabando.
"O cigarro contrabandeado é um dos pilares financeiros dessas facções, porque tem alta demanda e baixo risco comparado a outras atividades ilícitas. Ignorar esse elo é permitir que o crime siga se fortalecendo", alerta Edson Vismona, presidente do FNCP.
ROTA SURINAME: NOVA ESTRATÉGIA CRIMINOSA
Uma sofisticada logística alternativa tem ganhado força entre contrabandistas: a rota marítima via Suriname. Especialistas identificam nesse caminho uma resposta criminosa ao endurecimento da fiscalização nas fronteiras terrestres tradicionais.
O trajeto revela complexidade impressionante: cigarros partem do Paraguai, atravessam Bolívia e Chile, embarcam no Porto de Iquique, contornam o Canal do Panamá até alcançar o Suriname, de onde finalmente chegam às cidades do Norte e Nordeste brasileiro.
Apesar dos custos elevados, essa rota marítima tem se mostrado compensatória para organizações criminosas que buscam alternativas às rotas terrestres intensamente monitoradas.
"Não por acaso essas organizações também estão ligadas ao tráfico de drogas e armas, que, sabe-se, utilizam a mesma logística, incentivando a violência e afetando a segurança pública não só nas fronteiras, mas nas cidades de todo o País", afirma Vismona.
BRASIL: PARAÍSO DO CIGARRO ILEGAL
O panorama nacional espelha a gravidade regional. O contrabando de cigarros já conquista 32% do mercado brasileiro, movimentando 34 bilhões de unidades ilegais em 2024, avaliadas em R$ 9 bilhões. A evasão fiscal resultante atinge R$ 7,2 bilhões apenas no último ano. Considerando os últimos 12 anos, esse prejuízo aos cofres públicos é de aproximdamente R$ 105 bilhões.
FÁBRICAS CLANDESTINAS PROLIFERAM PELO PAÍS
A lucratividade do mercado ilegal estimula organizações criminosas a estabelecer fábricas clandestinas em território nacional. Essas instalações produzem cópias das marcas paraguaias mais contrabandeadas, utilizando maquinário profissional capaz de fabricar milhões de maços.
Em 2024, autoridades desativaram pelo menos quatro dessas fábricas. Geralmente instaladas em grandes galpões, empregam mão de obra paraguaia submetida a condições precárias de trabalho.
Nos últimos 13 anos, mais de 64 fábricas foram desmanteladas nacionalmente. Juntas, possuíam potencial de faturamento anual de R$ 4 bilhões, demonstrando a dimensão industrial do crime organizado no setor tabagista.