Quando a pesada porta da Capela Sistina se fecha e o Mestre de Cerimônias proclama "Extra omnes" ("Todos para fora"), inicia-se um dos processos mais secretos e fascinantes de sucessão de liderança no mundo. O conclave papal, com suas tradições centenárias, rituais meticulosos e ocasionais controvérsias, permanece envolto em mistério mesmo em pleno século XXI. Enquanto o mundo aguarda a fumaça branca que anunciará o próximo pontífice, mergulhamos nos segredos, curiosidades e histórias surpreendentes que ocorreram atrás das portas fechadas dos conclaves ao longo dos séculos.
A ORIGEM DOS CONCLAVES: QUANDO A PACIÊNCIA DO POVO ACABOU
A palavra "conclave" deriva do latim "cum clave" – literalmente, "com chave" – e sua origem revela muito sobre os desafios históricos da eleição papal. Até o século XIII, não havia regras rígidas para a eleição do papa, e o processo podia se arrastar indefinidamente enquanto os cardeais negociavam, discutiam e formavam alianças.
O caso mais extremo ocorreu após a morte do Papa Clemente IV em 1268. Os 20 cardeais reunidos em Viterbo, cidade ao norte de Roma, não conseguiam chegar a um consenso. Meses se passaram. Um ano se passou. E então outro. À medida que a sede vacante se aproximava de três anos, a paciência dos habitantes de Viterbo se esgotou.
"Os cidadãos tomaram uma medida drástica que mudaria para sempre o processo de eleição papal", explica o historiador vaticano Alberto Melloni. "Eles trancaram os cardeais no palácio papal, reduziram drasticamente suas rações de comida e, finalmente, em um gesto dramático, removeram o telhado do palácio, expondo os prelados às intempéries."
Esta tática radical funcionou. Após 2 anos, 8 meses e 29 dias – o conclave mais longo da história – os cardeais finalmente elegeram Gregório X em setembro de 1271. O novo papa, determinado a evitar repetições deste fiasco, institucionalizou o sistema de conclave em 1274 com a constituição apostólica "Ubi Periculum". Entre suas determinações: os cardeais deveriam ser isolados do mundo exterior, com restrições progressivas de comida se a eleição se prolongasse.
"Ironicamente, o sistema de conclave que conhecemos hoje, com seu isolamento e secretismo, não foi criado pelos papas para proteger a Igreja de interferências externas, mas imposto ao papado pelos fiéis exasperados com a indecisão dos cardeais", observa Melloni.
Conclave que elegeu Gregório X durou quase três anos / FOTO: Vatican News
RITUAIS MACABROS: VERIFICANDO A MORTE DO PAPA
Antes que um novo papa possa ser eleito, a Igreja deve ter certeza absoluta de que o anterior realmente faleceu. Historicamente, isso levou a um ritual peculiar que perdurou até o século XX: o Camerlengo (cardeal responsável pela administração da Igreja durante a sede vacante) verificava a morte do pontífice golpeando sua testa três vezes com um pequeno martelo de prata, chamando-o por seu nome de batismo.
"Este ritual pode parecer macabro para sensibilidades modernas, mas tinha uma função prática em tempos sem tecnologia médica avançada", explica a historiadora Eamon Duffy, autora de "Santos e Pecadores: História dos Papas".
Após confirmar o falecimento, o Camerlengo removia o Anel do Pescador do dedo do papa e o quebrava na presença de outros cardeais – um simbolismo poderoso do fim de seu reinado e da necessidade de eleger um sucessor. Esta tradição continua até hoje, embora no caso de Bento XVI, que renunciou em vez de falecer no cargo, o anel tenha sido apenas "cancelado" com marcas de cinzel em forma de cruz.
O corpo do papa falecido é então preparado para o funeral, que tradicionalmente ocorre entre 4 e 6 dias após a morte. Durante nove dias consecutivos (a "novena"), são realizadas missas de réquiem. Somente após este período de luto oficial o conclave pode começar.
Corpo do Papa Francisco / FOTO: Vatican News
A TRANSFORMAÇÃO DA CAPELA SISTINA: DE SANTUÁRIO ARTÍSTICO A COLÉGIO ELEITORAL
A Capela Sistina, conhecida mundialmente pelos afrescos de Michelangelo, transforma-se completamente para o conclave. Equipes trabalham dia e noite para instalar plataformas elevadas que cobrem o piso original, sobre as quais são dispostas mesas simples para cada cardeal, cobertas com pano roxo ou verde.
"A disposição das mesas segue uma hierarquia rigorosa baseada na antiguidade dos cardeais", explica o Monsenhor Guido Marini, antigo Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias. "Cada cardeal tem seu lugar designado, com seu nome em latim, e materiais de escrita para as cédulas."
No centro da capela, uma mesa maior é preparada para a contagem dos votos. Seis fornos são instalados – dois principais e quatro reservas – conectados a uma única chaminé que se projeta através do telhado. É dali que sairá a famosa fumaça que anunciará ao mundo o resultado da votação.
Nos aposentos improvisados dentro do Palácio Apostólico, cada cardeal encontra uma cama simples, uma mesa pequena, um crucifixo e instalações sanitárias básicas. Desde 2005, os cardeais passaram a se hospedar na Casa Santa Marta, uma residência com mais conforto, mas o isolamento e as regras de sigilo permanecem igualmente rigorosos.
"O contraste é impressionante", comenta o cardeal Roger Mahony, que participou do conclave de 2013. "Você está cercado por algumas das maiores obras de arte da civilização ocidental, mas vive em condições quase monásticas, focado inteiramente na responsabilidade solene de escolher o próximo Vigário de Cristo."
Vaticano divulga imagens de Capela Sistina pronta para receber conclave / FOTO: Serviço de imprensa do VaticanoA TECNOLOGIA CONTRA O SEGREDO: A BATALHA PELA CONFIDENCIALIDADE
Em um mundo de smartphones, microfones direcionais e tecnologia de vigilância avançada, manter o segredo do conclave tornou-se um desafio sem precedentes. O Vaticano respondeu com medidas cada vez mais sofisticadas.
Antes do conclave de 2013, equipes de segurança realizaram varreduras anti-escuta em toda a Capela Sistina e áreas adjacentes. Dispositivos de bloqueio de sinal foram instalados para impedir comunicações eletrônicas. Os cardeais passaram por detectores de metal para garantir que nenhum dispositivo eletrônico fosse introduzido no recinto sagrado.
"A paranoia tecnológica do Vaticano tem fundamento", explica o especialista em segurança digital Paolo Boccardelli. "Em 2005, um jornal alemão conseguiu fotografar o cardeal Ratzinger dentro da Capela Sistina durante o conclave usando uma lente teleobjetiva de longo alcance. Desde então, as janelas da capela são cobertas durante todo o processo."
Os cardeais fazem um juramento solene de segredo, cuja violação pode resultar em excomunhão automática. Este juramento cobre não apenas o voto de cada cardeal, mas qualquer detalhe sobre as discussões, negociações ou eventos dentro do conclave.
"O segredo não é apenas uma questão de tradição, mas de liberdade", argumenta o cardeal Francis Arinze, que participou de dois conclaves. "Somente quando os cardeais estão completamente isolados de pressões externas – sejam governos, mídia ou opinião pública – podem discernir livremente quem deve liderar a Igreja."
Cardeais na Basílica de São Pedro durante a missa pré-conclave — FOTO: Simone Risoluti - VATICAN MEDIA - AFP
OS CONCLAVES RECORDISTAS: DOS MAIS RÁPIDOS AOS MAIS CONTROVERSOS
Ao longo dos séculos, alguns conclaves se destacaram por suas circunstâncias excepcionais:
- O Mais Rápido: A Eleição-Relâmpago de Pio XII
Em 2 de março de 1939, 62 cardeais reuniram-se para eleger o sucessor de Pio XI. O conclave durou menos de 24 horas, com apenas três votações. O cardeal Eugenio Pacelli, que havia sido Secretário de Estado do Vaticano, foi eleito com uma maioria esmagadora.
"Pacelli era tão obviamente o candidato preferido que muitos cardeais já chegaram a Roma com a intenção de votá-lo", explica o historiador John Cornwell. "Sua eleição rápida refletia o desejo de continuidade em um momento em que a Europa estava à beira da Segunda Guerra Mundial."
Curiosamente, o próprio Pacelli havia organizado o conclave como Camerlengo. Quando perguntado se aceitava a eleição, respondeu: "Aceito em cruz" – uma frase que prenunciava o difícil pontificado que enfrentaria durante os anos de guerra.
- O Mais Controverso: O Conclave de 1903 e o Último Veto Imperial
O conclave que elegeu Pio X em 1903 entrou para a história por ser o último a sofrer interferência direta de uma potência secular. O cardeal Mariano Rampolla del Tindaro, Secretário de Estado de Leão XIII, era o favorito nas primeiras votações.
No entanto, em 2 de agosto, o cardeal Jan Puzyna, bispo de Cracóvia (então parte do Império Austro-Húngaro), levantou-se e declarou: "Estou encarregado e tenho a honra de informar a Vossa Eminência que Sua Majestade Imperial e Real Apostólica Francisco José, Imperador da Áustria e Rei da Hungria, julgando seu privilégio e antigo direito, pronuncia o veto de exclusão contra o Eminentíssimo Senhor Cardeal Mariano Rampolla del Tindaro."
O anúncio causou consternação. Rampolla respondeu com dignidade: "Lamento a grave violação da liberdade da Igreja... mas declaro que nenhuma consideração humana poderia fazer-me votar diferentemente do que Deus quer." Apesar de suas palavras, sua candidatura perdeu força, e Giuseppe Sarto (Pio X) foi eleito.
"O primeiro ato do novo papa foi abolir para sempre o direito de veto das potências católicas", observa o historiador Hubert Wolf. "Foi o fim de uma era em que monarcas podiam interferir diretamente na sucessão papal."
Papa Pio X / FOTO: Vatican NewsO MAIS TENSO: O CONCLAVE DE 1978 E A SURPRESA WOJTYLA
O conclave de outubro de 1978, após a morte prematura de João Paulo I, foi marcado por tensões geopolíticas extraordinárias. A Guerra Fria estava em seu auge, e a Igreja enfrentava desafios tanto do secularismo ocidental quanto dos regimes comunistas no Leste Europeu.
Após sete votações sem consenso, o nome do cardeal Karol Wojtyla, arcebispo de Cracóvia, começou a ganhar força. Quando sua eleição se tornou provável, o cardeal König da Áustria aproximou-se dele e perguntou: "Você aceitaria?" Wojtyla respondeu: "Se for a vontade de Deus, devo aceitar."
O cardeal Stefan Wyszyński, primaz da Polônia e mentor de Wojtyla, teria dito ao novo papa: "Se o Senhor te chamou, deves levar a Igreja para o terceiro milênio." A eleição de um papa polonês, o primeiro não-italiano em 455 anos, enviou ondas de choque pelo mundo comunista.
"Os serviços secretos soviéticos consideraram a eleição de Wojtyla uma operação estratégica da CIA", revela o historiador Andrea Riccardi. "Na realidade, foi o resultado de cardeais buscando um líder carismático que pudesse enfrentar os desafios da secularização e do totalitarismo."
Aleição controversa do Papa João Paulo II / FOTO: Vatican NewsAS CÉDULAS RASGADAS: O RITUAL DA VOTAÇÃO
O processo de votação em um conclave segue um ritual meticulosamente coreografado que permaneceu essencialmente inalterado por séculos.
Cada cardeal recebe uma cédula retangular com as palavras "Eligo in Summum Pontificem" ("Elejo como Sumo Pontífice") impressas na parte superior. Na parte inferior, o cardeal escreve o nome de seu escolhido, usando uma caligrafia disfarçada para evitar identificação.
"O momento da votação é solene", descreve o cardeal Christoph Schönborn, que participou do conclave de 2013. "Cada cardeal, segurando sua cédula, aproxima-se do altar e faz um juramento: 'Testemunho perante Cristo, que me julgará, que dou meu voto àquele que, diante de Deus, considero que deve ser eleito.'"
O cardeal então coloca a cédula em um cálice de ouro (anteriormente uma urna) sobre o altar. Três cardeais escrutinadores verificam o número de cédulas, as abrem uma a uma, anunciam o nome escrito, perfuram cada cédula com uma agulha através da palavra "Eligo" e as enfiam em uma linha para manter o registro.
Após a contagem, as cédulas e todas as anotações são queimadas em um dos fornos especiais instalados na capela. Se nenhum candidato alcançou a maioria necessária de dois terços, adiciona-se palha úmida ou produtos químicos especiais para produzir a famosa fumaça preta. Se um papa foi eleito, produtos químicos diferentes produzem a fumaça branca.
"Até 2005, houve confusões sobre a cor da fumaça", lembra o Monsenhor Marini. "Para o conclave que elegeu Bento XVI, introduzimos um sistema mais confiável e adicionamos o toque dos sinos de São Pedro para confirmar uma eleição bem-sucedida."
O MOMENTO DO "HABEMUS PAPAM": DA ACEITAÇÃO AO ANÚNCIO
Quando um cardeal finalmente alcança a maioria necessária, o Decano do Colégio Cardinalício aproxima-se dele e faz a pergunta decisiva: "Acceptasne electionem de te canonice factam in Summum Pontificem?" ("Aceitas tua eleição canônica como Sumo Pontífice?")
Se o eleito responder "Accepto" ("Aceito"), torna-se imediatamente o Papa, Bispo de Roma e líder da Igreja Católica mundial. O Decano então pergunta: "Quo nomine vis vocari?" ("Por qual nome queres ser chamado?")
"A escolha do nome papal é profundamente significativa", explica o vaticanista John Allen Jr. "Revela muito sobre como o novo papa vê seu pontificado e quais predecessores ele mais admira."
O novo pontífice é então conduzido à "Sala das Lágrimas", um pequeno aposento adjacente à Capela Sistina. Ali, sozinho ou assistido por ajudantes, veste as vestes papais brancas disponíveis em três tamanhos diferentes (pequeno, médio e grande).
Enquanto isso, o cardeal protodiácono (o mais antigo dos cardeais-diáconos) dirige-se à sacada central da Basílica de São Pedro. Com milhares de fiéis aguardando ansiosamente na praça, ele pronuncia a famosa frase: "Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam!" ("Anuncio-vos uma grande alegria: Temos Papa!"), seguida pelo nome do eleito e pelo nome papal que escolheu.
"É um momento eletrizante", descreve o cardeal Jean-Louis Tauran, que anunciou a eleição do Papa Francisco em 2013. "Você sente o peso da história e a expectativa de milhões de católicos em todo o mundo."
CONSPIRAÇÕES E PRESSÕES: QUANDO O CONCLAVE SE TORNA POLÍTICO
Apesar de seu caráter sagrado, os conclaves não estão imunes a considerações políticas, alianças estratégicas e, ocasionalmente, interferências externas.
As "Facções" Cardeais: Mais Complexas que Progressistas vs. Conservadores
A mídia frequentemente retrata os cardeais como divididos simplesmente entre "progressistas" e "conservadores", mas a realidade é muito mais complexa.
"Os cardeais se agrupam por múltiplos fatores: visão teológica, sim, mas também por região geográfica, por experiência pastoral versus experiência curial, por relações pessoais e por visões sobre questões específicas como colegialidade, reforma da Cúria ou relações com outras religiões", explica o sociólogo da religião Massimo Introvigne.
No conclave de 2013, por exemplo, formaram-se grupos informais de cardeais que buscavam um papa reformador da governança vaticana, outros que priorizavam habilidades comunicativas, e outros ainda que desejavam um foco na "nova evangelização" em regiões secularizadas.
CAMPANHAS PROIBIDAS: O TABU DAS AMBIÇÕES PAPAIS
Uma das regras não escritas mais poderosas do conclave é que nenhum cardeal deve demonstrar ambição pelo papado. Como diz o velho ditado romano: "Quem entra no conclave como papa, sai como cardeal."
O cardeal Basil Hume observou certa vez: "Qualquer cardeal que, antes do conclave, tenha pensado seriamente na possibilidade de ser eleito papa, deveria ir imediatamente se confessar."
Esta norma cultural é tão forte que os cardeais evitam cuidadosamente qualquer comportamento que possa ser interpretado como campanha. Não há discursos formais, plataformas ou promessas – apenas conversas discretas durante as "congregações gerais" que precedem o conclave e nos intervalos entre as votações.
"É um processo de discernimento espiritual, não uma eleição política", insiste o cardeal Timothy Dolan. "Buscamos conhecer a vontade de Deus através da oração, reflexão e diálogo fraterno."
INTERFERÊNCIAS EXTERNAS: DE IMPERADORES A SERVIÇOS SECRETOS
Ao longo da história, potências seculares tentaram influenciar a eleição papal. Além do já mencionado direito de veto exercido por monarcas católicos até 1903, houve numerosas tentativas de pressão.
Durante a Guerra Fria, tanto os EUA quanto a União Soviética monitoravam atentamente os conclaves. Documentos desclassificados revelam que a CIA tinha operações de inteligência focadas no Vaticano, enquanto o KGB tentava influenciar a posição da Igreja sobre questões geopolíticas.
"Mesmo hoje, grandes potências mantêm interesse no resultado dos conclaves", afirma o analista geopolítico George Friedman. "Um papa pode influenciar centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, afetar a estabilidade de regiões inteiras e moldar debates globais sobre questões como clima, migração ou economia."
O Vaticano responde a estas pressões com medidas cada vez mais rigorosas de segurança e confidencialidade. Antes do conclave de 2013, foram descobertos dispositivos de escuta em salas onde os cardeais realizavam reuniões preparatórias, levando a uma intensificação das medidas de segurança.
MITOS E REALIDADES: SEPARANDO FATO E FICÇÃO
Vários mitos persistentes cercam os conclaves papais, alguns com base histórica, outros puramente fictícios:
Mito: A cadeira perfurada para verificar o sexo do papa
Uma das lendas mais persistentes sobre os conclaves é a existência de uma cadeira com assento perfurado, supostamente usada para verificar se o papa eleito era realmente homem – uma precaução após o suposto caso da "Papisa Joana", uma mulher que teria se disfarçado de homem e sido eleita papa no século IX.
"Este mito é completamente falso", esclarece o historiador Agostino Paravicini Bagliani. "A cadeira perfurada realmente existiu, mas era simplesmente uma cadeira-sanitária usada em cerimônias longas quando os papas eram idosos. Quanto à Papisa Joana, historiadores sérios consideram sua existência uma lenda medieval sem fundamento histórico."
Mito: Os cardeais são completamente isolados do mundo
Embora o isolamento seja um princípio fundamental do conclave, a implementação prática evoluiu. Até o século XX, os cardeais realmente viviam em condições espartanas, com comida passada através de aberturas específicas.
Hoje, enquanto permanecem proibidos de comunicar-se com o exterior, os cardeais desfrutam de acomodações razoavelmente confortáveis na Casa Santa Marta. Têm acesso a médicos, caso necessário, e são informados sobre emergências familiares graves.
"O isolamento é espiritual e informacional, não físico no sentido medieval", explica o cardeal Donald Wuerl. "Não recebemos jornais, não assistimos televisão, não usamos internet ou telefones. Mas não estamos em celas desconfortáveis como no passado."
Realidade: O Papel do "Kingmaker"
Uma dinâmica real nos conclaves é o papel do "kingmaker" – um cardeal influente que, percebendo que não será eleito, direciona seus apoiadores para outro candidato.
No conclave de 1978 que elegeu João Paulo II, o cardeal Franz König de Viena desempenhou este papel crucial, ajudando a construir consenso em torno de Karol Wojtyla quando percebeu que os candidatos italianos estavam em impasse.
"O kingmaker é frequentemente mais importante que os próprios papabili", observa o vaticanista Sandro Magister. "É aquele que percebe para onde sopra o vento do Espírito e ajuda os colegas a convergir."
Realidade: A "Mafia de São Galo" e Grupos Informais
Embora "campanhas" sejam proibidas, grupos informais de cardeais com visões semelhantes realmente se formam antes dos conclaves. O exemplo mais famoso foi o chamado "Grupo de São Galo", cardeais progressistas que se reuniam periodicamente na cidade suíça de São Galo para discutir o futuro da Igreja.
O cardeal Godfried Danneels revelou em sua autobiografia que este grupo, que incluía influentes cardeais como Carlo Maria Martini e Walter Kasper, reuniu-se regularmente entre 1996 e 2006 para discutir sucessão papal. No conclave de 2005, apoiaram o cardeal Bergoglio (futuro Papa Francisco) como alternativa a Ratzinger.
"Tais grupos não violam as regras do conclave, desde que não façam acordos formais ou promessas", explica o canonista Eduardo Baura. "São parte do processo natural de discernimento colegial."
O FUTURO DOS CONCLAVES: TRADIÇÃO E ADAPTAÇÃO
À medida que a Igreja enfrenta os desafios do século XXI, o próprio processo de eleição papal continua a evoluir, embora em ritmo deliberadamente lento.
Globalização do colégio cardinalício
Uma mudança significativa nas últimas décadas tem sido a internacionalização do Colégio de Cardeais. Até o pontificado de João XXIII, a maioria dos cardeais era italiana. Hoje, representam dezenas de países de todos os continentes.
"O Papa Francisco acelerou esta tendência, nomeando cardeais de regiões periféricas como Myanmar, Lesoto e Papua-Nova Guiné", observa o sociólogo Massimo Faggioli. "Isto reflete a realidade demográfica da Igreja global, onde dois terços dos católicos vivem no Sul Global."
Esta diversificação tem implicações profundas para futuros conclaves, aumentando a probabilidade de papas não-europeus e trazendo novas perspectivas culturais para o processo de discernimento.
Tecnologia e segurança: Um equilíbrio delicado
O Vaticano enfrenta o desafio contínuo de manter o segredo do conclave em uma era de tecnologia invasiva. Especialistas em segurança cibernética agora são consultados antes de cada conclave para implementar contramedidas contra espionagem eletrônica.
"É uma ironia que uma das instituições mais antigas do mundo tenha que se preocupar com hackers e drones de vigilância", comenta o especialista em segurança Marco Camisani Calzolari. "Mas a confidencialidade do conclave é considerada essencial para sua integridade espiritual."
Ao mesmo tempo, o Vaticano modernizou aspectos práticos do conclave. Em 2013, instalou-se um sistema de aquecimento temporário na Capela Sistina para o conforto dos cardeais idosos, e melhorou-se a acústica para facilitar as discussões.
Reforma das regras: Ajustes graduais
Cada papa tem a prerrogativa de modificar as regras do conclave. João Paulo II, em sua constituição apostólica "Universi Dominici Gregis" (1996), estabeleceu que após 33 votações sem resultado, a maioria poderia ser reduzida de dois terços para maioria simples.
Bento XVI reverteu esta mudança em 2007, mantendo a exigência de dois terços independentemente do número de votações, reforçando a necessidade de amplo consenso.
"As regras do conclave evoluem lentamente, mantendo o equilíbrio entre tradição e adaptação às circunstâncias contemporâneas", explica o canonista Kurt Martens. "Cada ajuste é cuidadosamente considerado por suas implicações teológicas e práticas."
O mistério permanente: Fé e política na escolha do Vigário de Cristo
Apesar de todas as análises, previsões e especulações, o conclave mantém um elemento de mistério que transcende explicações puramente políticas ou sociológicas.
"Os cardeais entram no conclave como políticos e saem como apóstolos", observou certa vez o cardeal Ennio Antonelli. Esta transformação – de cálculos humanos para discernimento espiritual – é central para a compreensão católica do processo.
O teólogo Joseph Komonchak sugere: "Há uma tensão criativa no conclave entre a ação humana e a crença na guia divina. Os cardeais fazem análises, formam alianças e votam estrategicamente – e ainda assim acreditam sinceramente que, através desses meios muito humanos, o Espírito Santo manifesta sua vontade."
Esta tensão reflete a própria natureza da Igreja Católica – uma instituição simultaneamente humana e divina, histórica e transcendente, política e espiritual.
Quando a fumaça branca finalmente subir da chaminé da Capela Sistina nos próximos dias, anunciando o 266º sucessor de São Pedro, milhões de católicos em todo o mundo verão não apenas o resultado de deliberações cardinalícias, mas o desfecho de um processo que, para eles, combina de forma única a agência humana e a providência divina.
Como observou o Papa Bento XVI pouco antes de sua renúncia: "O Senhor não abandona sua Igreja, mesmo quando a barca de Pedro enfrenta ventos contrários." Para os fiéis, o conclave é a manifestação visível desta promessa invisível.