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Reflexão: Constituição Federal e Crise Institucional

Apesar de passado o tempo, de estarmos na nossa oitava Constituição, o que temos é um profundo questionamento do Estado Constitucional

20 de julho de 2017, às 23:28 | João Santos

“Formulado para nossa pátria o pacto de reorganização nacional, sabíamos que os povos não amam as suas constituições senão pela segurança das liberdades que elas lhes prometem, mas que as constituições, entregues, como ficam, ao arbítrio dos parlamentos e à ambição dos governos, bem frágil anteparo oferecem a essas liberdades, e acabam quase sempre e quase sempre se desmoralizam, pelas invasões, graduais ou violentas, do poder que representa a legislação e do poder que representa a força.”

O texto acima transcrito são da lavra de Rui Barbosa, extraídas de uma sustentação oral que o célebre jurista fez no Supremo Tribunal Federal, em 23.04.1892. Se não fosse por esta referência, bem poderia lhe ser conferida o status de pensamento crítico contemporâneo acerca do momento em que vive o país. No entanto, a trago aqui num contexto diferente daquele em que foi utilizada, pois que, naquele momento, se fazia a defesa de cidadãos que tinham sido vítimas de prisões executadas durante a decretação de estado de sítio, no período pós proclamação da República.

O texto de Rui Barbosa tem uma relevância história no contexto de valorização do principal diploma jurídico-legal a reger a vida dos brasileiros, a Constituição Federal. Indo um pouco mais além, o texto ainda nos remete à tese do jurista alemão, Ferdinand Lassale, defendida em conferência de 16 de abril de 1862, em Berlim. Para Lassale, as questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. Defendia, ainda, a existência de uma Constituição real, que correspondia à soma dos fatores de poder. Por outro lado, a Constituição jurídica era um documento que não passava de um pedaço de papel.

A tese de Lassale, é importante lembrar, foi refutada por Konrad Hesse, em trabalho que teve como título A Força Normativa da Constituição, para quem a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Em outras palavras, defende que a força normativa da Constituição em que consegue imprimir eficácia aos seus preceitos.

Apesar de passado o tempo, de estarmos, no caso brasileiro, sob a disciplina de nossa oitava Constituição, considerando a emenda de 1969, há mais de um século distante das palavras de Lassale e Hesse, quando se vive, hoje, a experiência do neoconstitucionalismo, teoria pela qual se defendem a realização dos direitos e garantias fundamentais, no contexto nacional, o que se experimenta é um profundo questionamento do Estado Constitucional presente, que é regido pela Constituição Federal de 1988.

Constituição Federal e Crise Institucional

Tal constatação, a priori, é vista no dia-a-dia da midiatização das questões políticas do atual momento do país, que abrangem escândalos de corrupção em todas as esferas de poder, não deixando a salvo nenhuma das instituições públicas que compõem a organização política e administrativa do país. Atualmente, questiona-se a representatividade, a composição órgãos superiores do Poder Judiciário, especialmente os Tribunais Superiores e o próprio papel Supremo Tribunal Federal que, ironicamente, é o guardião da Constituição. Este Tribunal, cuja composição é feita por critérios exclusivamente políticos, tem sofrido todo o tipo de crítica, numa pressão social que questiona a sua própria legitimidade como um tribunal imparcial.

A propósito, isso nos remete às palavras de Humbolt, em monografia escrita sobre a Constituição alemã, em 1913, quando expôs que as Constituições pertencem àquelas coisas da vida cuja realidade se pode ver, mas cuja origem jamais poderá ser totalmente compreendida e, muito menos, reproduzida ou copiada. Numa leitura das palavras do jurista alemão, sente-se o temor de se chegar às circunstâncias em que seja realmente necessário se questionar a necessidade de uma nova Constituição, pois, quando isso ocorrer, o país estará em tal crise que as instituições, muito provavelmente, se encontrarão distanciadas da realidade jurídica e política pretendida pelo poder constituinte.

Pensando nesse contexto, e trazendo-o para a grave crise institucional por que passa o nosso país, é importante enfatizar que, no momento, nenhuma pessoa, seja de que esfera política de poder for, quer seja político, como é o caso da Presidência da República, ou de investidura meritocrática, a exemplo das carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público, apesar de discutível o caso do Supremo Tribunal Federal e outros Tribunais superiores, pode pensar em defesa de ato pessoal, principalmente quando a acusação é de ato de corrupção, um crime contra a nação, apenas invocando a relevância do cargo. Foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, não pode servir de salvaguarda à impunidade.

E para fechar esta brevíssima abordagem da relevância da Constituição para o país, retomando as palavras de Rui Barbosa, mais do que as pessoas, a crise institucional por que passa o Brasil tem fragilizado, sobremaneira, a Constituição Federal, pois, de repente, todo o povo brasileiro passa a se questionar quem, de fato, comanda o país. Se a resposta não estiver na norma maior, e penso que esta deve ser a resposta, é porque o princípio maior do regime democrático, que se encontra na força normativa da Constituição, encontra-se em grave risco de ser atropelado pelo poder da força das pessoas, não mais legitimados para representar o principal destinatário da norma jurídica, as pessoas que fazem esta dita sociedade brasileira. 


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