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Direito Penal e a síndrome do Chapolin Colorado

Diante de situações extremadas e isoladas, repercutidas pela mídia, cresce a pressão popular para se editar leis penais mais severas

25 de junho de 2017, às 01:12 | Juliano Leonel

Inicialmente, adverte-se que a análise do sistema penal não pode ser feita apenas por um viés jurídico, sob pena de se cair num falacioso reducionismo da complexidade social, exigindo-se, portanto, uma abordagem interdisciplinar.

Para Gauer (1999, p.13), a violência é um fato complexo, que decorre de fatores biopsicossociais, sendo que “a violência é um elemento estrutural, intrínseco ao fato social(...). Esse fenômeno aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano(...)”. Aliás, Beck (1998) esclarece que os riscos existiram em todas as sociedades humanas.

Nas sociedades pré-industriais os riscos revestiam-se das formas naturais (enchentes, secas, terremotos etc). Já nas sociedades industriais clássicas, os riscos passaram a depender das ações humanas e das forças sociais (perigo no trabalho, penúria etc), mas os seus efeitos devastadores se davam em nível local e pessoal. Assim, os riscos e azares podiam ser previstos e sua ocorrência calculada, o que gerou a crença na existência de um Estado Segurança. 

No entanto, na atualidade, precisa-se entender que os riscos não estão mais limitados no tempo e no espaço, sendo marcados pela glocalidade (são locais e globais ao mesmo tempo) assumindo até mesmo efeitos transgeracionais. Portanto, os riscos a que estamos sujeitos não podem ser previstos e calculados, sendo que os meios de que dispomos, em nível político e institucional para combatê-los são tão deploráveis, que a fina capa da tranquilidade e normalidade é constantemente rasgada pelos perigos inevitáveis, evidenciando que vivemos num Estado Insegurança e inseridos na mais completa epistemologia da incerteza.

Nesse sentido, Lopes Jr (2012) adverte que os riscos e as inseguranças estão em tudo e em todos os lugares, sendo que queremos segurança em relação a algo que sempre existiu e sempre existirá: violência e insegurança. E, como consequência desse cenário de risco total, “quem poderá nos salvar?”

Ele, o Chapolin Colorado tupiniquim – o direito penal. Busca-se, assim, a “segurança perdida” sempre no direito penal, mediante o recrudescimento das leis penais e processuais penais, nascendo, dessa forma, vários exemplos de direito penal simbólico e do inimigo em nossa legislação.

Diante de situações extremadas e isoladas, repercutidas pela mídia, cresce a pressão popular para se editar leis penais mais severas

Ainda é corrente, até mesmo no meio acadêmico, a crença no mito da função de prevenção do direito penal, ou seja, o direito penal através do seu poder intimidatório seria capaz de persuadir o corpo social a não praticar delitos. Carvalho (2003, p.127)1 ensina que “a ameaça, no modelo feuerbachiano, constitui-se como o fundamento primordial da pena – a intimidação dos outros, para que não cometam condutas incriminadas, não deveria ser o escopo essencial da pena e o fundamento do direito de infringi-la?”. Eis a conclusão a tal indagação: “A resposta afirmativa é uma opinião comum aos nossos juristas e filósofos”.

Logo, diante de situações extremadas e isoladas, repercutidas pela mídia, cresce a pressão popular para se editar leis penais mais severas, com base nessa crença do poder intimidatório do direito penal. No entanto, Azevedo (2010, p. 217)2 esclarece que “o fenômeno criminal, e em particular o aumento da criminalidade violenta no Brasil nas últimas décadas, têm sido pouco afetado pelas políticas de encarceramento massivo implementadas a partir da edição da Lei 8072/90 (lei dos crimes hediondos)”. 

Aliás, o autor esclarece que a Lei dos Crimes Hediondos “ampliou sobremaneira a população carcerária desde então, sem que tenha ocorrido redução da tendência de crescimento destes delitos”3, evidenciando que tais leis penais possuem apenas um efeito simbólico e sedante na população, mas que não cumprem o que prometem: a tão sonhada redução da violência.

Dentro desse cenário, mais uma vez se busca a política do “mais do mesmo”: para se combater a delinquência juvenil, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC da redução da maioridade penal. E como diria nosso herói aqui decantado: “Você não contava com a minha astúcia!”. Apenas mais uma medida demagógica, simbólica, sedante e eleitoreira, que certamente trará mais problemas do que solução.


Juliano Leonel é Defensor Público Estadual, Mestre em Direito, professor de direito penal e processo penal em nível de graduação e pós-graduação.

Gauer, Ruth Chittó. Alguns aspectos da fenomenologia da violência. In: A fenomenologia da Violência. Curitiba: Juruá, 1999.

Beck, Ulrich. La Sociedad del Riesgo. Barcelona: Paidós, 1998.

Lopes Jr, Aury. Direito Processual Penal. Saraiva: São Paulo, 2012.

Carvalho, Salo. Pena e Garantias. Lumen júris: Rio de Janeiro, 2003.

Azevedo, Rodrigo Ghiringhellide. Sociologia e justiça penal: teoria e prática da pesquisa sociocriminológica. Lumen Juris: Rio de janeiro, 2010.

Sobre o impacto da Lei dos Crimes Hediondos nas taxas de criminalidade e na administração carcerária, vide o relatório de pesquisa do ILANUD, A lei dos Crimes Hediondos como Instrumento de Política Criminal, São Paulo, julho de 2005.


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