Adeus ao papa do povo: Francisco morre aos 88 anos após batalha contra pneumonia
A morte encerra um pontificado de quase 12 anos marcado por tentativas de modernização da Igreja
- segunda-feira, 21 de abril de 2025
- Mateus Dias
O mundo católico entrou em luto na madrugada desta segunda-feira (21/04) com o falecimento do papa Francisco, que partiu aos 88 anos após complicações de uma pneumonia bilateral. O líder da Igreja Católica, primeiro latino-americano a ocupar o trono de São Pedro, faleceu às 2h35 (horário de Brasília), conforme confirmação oficial do Vaticano.
A morte encerra um pontificado de quase 12 anos marcado por tentativas de modernização da Igreja, posicionamentos firmes sobre questões sociais e uma simplicidade que cativou milhões de fiéis ao redor do mundo.
O ÚLTIMO SUSPIRO APÓS LONGA BATALHA RESPIRATÓRIA
Francisco vinha enfrentando sérias complicações de saúde nas últimas semanas. Sua jornada final começou no início de fevereiro, quando precisou ser hospitalizado com um quadro inicial de bronquite. O que parecia uma condição tratável rapidamente evoluiu para uma situação mais grave.
Durante audiências religiosas subsequentes, o pontífice demonstrou crescente dificuldade para discursar, chegando a solicitar que auxiliares fizessem leituras em seu lugar. Em 14 de fevereiro, foi internado no hospital Agostino Gemelli para exames mais detalhados.
Mesmo hospitalizado, o papa tentou manter suas atividades, mas acabou faltando à tradicional oração dominical na Praça São Pedro, pedindo desculpas aos fiéis. O quadro se complicou quando o Vaticano revelou que Francisco sofria de uma infecção polimicrobiana, descrita como "complexa" pelos médicos.
A situação agravou-se com o diagnóstico de pneumonia bilateral, condição que compromete severamente a respiração e a oxigenação do organismo. Após aproximadamente 40 dias de internação, o pontífice recebeu alta há cerca de um mês, mas permanecia sob cuidados médicos intensivos.
DE QUÍMICO A LÍDER ESPIRITUAL: A JORNADA DE BERGOGLIO
Nascido em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio trilhou um caminho singular até o papado. Filho de imigrantes italianos, formou-se técnico químico antes de atender ao chamado religioso. Sua vocação o levou a estudar humanidades no Chile e, posteriormente, teologia na Argentina.
Ordenado sacerdote em dezembro de 1969, Bergoglio ascendeu rapidamente na hierarquia eclesiástica. Liderou a congregação jesuíta local entre 1973 e 1979, foi reitor da Faculdade de Filosofia e Teologia de San Miguel e, após completar seu doutorado na Alemanha, serviu como confessor e diretor espiritual em Córdoba.
Em 1992, foi nomeado bispo auxiliar de Buenos Aires, tornando-se arcebispo titular da capital argentina em 1997. Quatro anos depois, o papa João Paulo II o elevou à condição de cardeal e primaz da Argentina. Entre 2005 e 2011, presidiu a Conferência Episcopal de seu país por dois mandatos consecutivos.
O conclave que o elegeu em 13 de março de 2013 marcou diversos precedentes históricos: primeiro papa latino-americano, primeiro jesuíta a ocupar o cargo e primeiro pontífice da era moderna a assumir após a renúncia de seu antecessor, Bento XVI. Curiosamente, o próprio Francisco revelou posteriormente que não desejava o cargo.
UM PONTIFICADO DE CONTRASTES E REFORMAS
Ao escolher o nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, o novo papa sinalizava suas prioridades: humildade, simplicidade e preocupação com os pobres. Seu lema "Miserando atque eligendo" ("Olhou-o com misericórdia e o escolheu") refletia essa orientação.
Durante seu papado, Francisco enfrentou desafios monumentais. A Igreja Católica atravessava uma crise de credibilidade, com escândalos de pedofilia envolvendo clérigos em diversos países e queda na popularidade institucional. O pontífice argentino buscou responder a esses problemas com medidas concretas, incluindo reformas na estrutura da Cúria Romana e especial atenção às finanças do Vaticano.
No campo social, Francisco não hesitou em usar sua voz para criticar líderes mundiais envolvidos em conflitos armados, como Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu. Também cobrou da União Europeia uma resposta mais humana à crise dos refugiados iniciada em 2015.
Um dos momentos mais emblemáticos de seu pontificado ocorreu durante a pandemia de Covid-19, quando rezou sozinho na normalmente lotada Praça São Pedro, transmitindo uma imagem poderosa de isolamento e solidariedade global em meio à crise sanitária.
AVANÇOS E LIMITES NA MODERNIZAÇÃO DA IGREJA
O pontificado de Francisco ficou marcado por tentativas de modernizar aspectos da Igreja Católica sem alterar fundamentalmente sua doutrina. Ele permitiu bênçãos a casais homoafetivos, ampliou a participação feminina em cargos do Vaticano e autorizou mulheres a votarem no Sínodo dos Bispos.
Contudo, manteve posições tradicionais em questões como o sacerdócio feminino, defendendo que apenas homens poderiam ser ordenados padres, baseando-se na premissa de que Jesus escolheu apóstolos do sexo masculino.
Para o especialista em Vaticano Marco Politi, Francisco pode ser considerado "um grande reformador" que tentou fazer "com que a Igreja abandonasse sua obsessão histórica em tabus sexuais". Foi o primeiro papa a receber um transexual no Vaticano e recusou-se a julgar homossexuais, defendendo que a Igreja deveria ser um "hospital de campanha, não um posto alfandegário" que separa bons e maus cristãos.
Apesar de suas iniciativas progressistas em alguns campos, Francisco manteve posições conservadoras em temas como aborto e casamento de padres. "Em termos de doutrina, ele não mudou nada. Neste sentido, nunca fez parte dos progressistas", observou Politi.
O LEGADO DE UM PAPA DO POVO
Francisco deixa um legado complexo. Conquistou amplo apoio entre fiéis comuns e até mesmo entre alguns agnósticos e não-crentes, mas enfrentou resistência de setores ultraconservadores da Igreja, que tentaram desacreditar suas iniciativas.
Seu estilo descontraído, marcado por piadas e brincadeiras, contrastava com a formalidade tradicional do Vaticano. Admirador de tango e torcedor do time de futebol San Lorenzo, o papa argentino trouxe elementos de sua cultura para o papado, humanizando a figura pontifícia.
Aos 80 anos, mesmo enfrentando problemas de saúde que limitavam sua mobilidade, Francisco recusava-se a considerar a renúncia, afirmando que continuaria "indo em frente" – contrariando sua própria previsão feita em 2015 de que seu pontificado seria "breve, quatro ou cinco anos".
Nas próximas semanas, a Igreja Católica deverá se reunir para escolher o 267º papa, que terá a desafiadora missão de dar continuidade às reformas iniciadas por Francisco ou, possivelmente, traçar novos rumos para uma instituição milenar em constante adaptação aos tempos modernos.
Foram 12 anos de pontificado / FOTO: CNBB
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