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Quando uma relação está se tornando abusivo? Delegada piauiense explica

Nathália Figueiredo trabalha no Núcleo de Feminicídios, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), em Teresina

Reportagem de Douglas Cordeiro

O caso envolvendo a estudante de Direito, Victoria Aparecida, trouxe de volta a discussão sobre a violência contra a mulher.

A delegada Nathália Figueiredo, do Núcleo de Feminicídios, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), concedeu entrevista ao jornalista Otávio Ribeiro Neto, no Jornal O Dia News, da O Dia TV, para falar sobre o cenário da violência doméstica no Piauí, analisar os números e explicar os sinais que devem ser percebidos quando o relacionamento está tornando-se abusivo.

FOTOS: Portal GP1

Quem deve ter vergonha dos seus atos é o agressor e não a vítima .

OTÁVIO RIBEIRO NETO - Qual importância da visibilidade, na mídia, de casos de violência contra a mulher?

NATHÁLIA FIGUEIREDO - A visibilidade é importante para chamar, novamente, a atenção para o combate a violência doméstica e familiar. Ela sempre existiu, mas agora está se falando sobre o assunto, legislações estão sendo criadas para proteger as mulheres.

OTÁVIO RIBEIRO NETO - É uma das características da violência contra a mulher, a vítima se sentir culpada?

NATHÁLIA FIGUEIREDO - Na entrevista da jovem chamou minha atenção a romantização do controle que não é amor, não é ciúme, é posse e da vergonha que ela sentiu por ter sido vítima. Quem deve ter vergonha dos seus atos é o agressor e não a vítima. Isso é muito comum, infelizmente. O abusador ataca de várias maneiras. Pelo relato da Victoria, além da agressão física que ela sofreu, ela vivia violência psicológica. O abusador mina a mente da vítima, diminui a autoestima, diz que ela não é capaz e mostra que só ele pode amá-la. A vítima acaba tendo vergonha de ser vítima e esta é uma das formas utilizadas pelo abusador para exercer controle.

OTÁVIO RIBEIRO NETO - Na entrevista ela cita que em nenhum momento ela o percebeu como agressor, mas como uma pessoa romântica. Como as mulheres podem ficar atentas a estes casos?

NATHÁLIA FIGUEIREDO - O ciúme é comum nos relacionamentos, mas o controle vai além do ciúme. Quando você percebe que a pessoa passou a controlar seus passos, ela relatou que ele colocou um localizador no celular, para saber exatamente onde ela estava, perseguia no trabalho, então são vários alertas. A violência doméstica não inicia com o feminicídio, o feminicídio ocorre quando não se deu importância as outras formas de violência. Existe a violência física, moral, psicológica e sexual. No relacionamento entre marido e mulher, nós pensamos que os deveres conjugais incluem a relação sexual não permitida, isso não é verdade. Qualquer relação sexual que não seja consentida é estupro. Quem tem um companheiro ou um marido que força uma relação sexual está cometendo um estupro. Estas formas de violência que a mulher não dá importância vão evoluindo à medida que a vítima não denuncia ou não termina a relação e pode acabar com o feminicídio.

As mulheres não podem se iludir com esta fase da lua de mel em que o agressor diz que mudou e que não vai mais agredir .

OTÁVIO RIBEIRO NETO - Quais são os primeiro sinais que um relacionamento começa a se tornar abusivo?

NATHÁLIA FIGUEIREDO - O controle, o ciúme e a forma truculenta de falar. Nós temos a fase da atenção, depois vem a agressão e pode evoluir para a lua de mel quando a mulher pensa que o agressor mudou, muitas vezes procura a polícia para pedir a revogação da medida protetiva. Como a violência é um ciclo, começa novamente e o espaço entre uma fase e outra é menor. As mulheres não podem se iludir com esta fase da lua de mel em que o agressor diz que mudou e que não vai mais agredir. O ciclo da violência contra mulher é fruto do estudo de vários casos através de análise estatística.

OTÁVIO RIBEIRO NETO - Nas mensagens que ela divulgou, em algumas ele pede perdão, diz que a ama, isso se configura como a fase da lua de mel?

NATHÁLIA FIGUEIREDO - O abusador não quer perder a presa e por isso ele ilude. As mulheres vítimas de violência devem ser olhadas com empatia. Existe aquela frase que toda mulher gosta de apanhar e não existe isso. Muitas mulheres são dependentes emocionalmente o que torna muito complexa a violência contra a mulher.

OTÁVIO RIBEIRO NETO - Qual a segurança que o poder público pode oferecer para as mulheres vítimas de violência?

NATHÁLIA FIGUEIREDO - Ele foi preso em decorrência do descumprimento de medida protetiva. Só que não basta a decisão do juiz sem que exista um acompanhamento destas mulheres após as agressões. Por isso é importante o reforço da patrulha Maria da Penha para que a medida protetiva não seja somente no papel e que realmente proteja a mulher.

OTÁVIO RIBEIRO NETO - Nos anos de 2019, 2020 e 2021, Teresina apresentou um número maior de boletins de ocorrência do que todos os municípios do interior do Piauí. O que explica esta diferença?

O aumento no número de boletins de ocorrência é uma aspecto positivo. Significa que a mulher entende que está vivendo uma situação de violência doméstica e decidiu denunciar. Muitas vezes as denúncias não eram feitas porque a vítima não sabia como denunciar. Em 2022 as denúncias feitas nos municípios do interior ultrapassaram a capital. Isso mostra que a conscientização está aumentando. Nós temos nove delegacias da mulher no interior que desenvolvem este trabalho com palestras, informações que tem contribuído para aumentar as denúncias.

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