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"Vamos regularizar terras e combater a grilagem", diz Chico Lucas

A grilagem se combate com as instituições agindo de maneira correta, assertiva. A Justiça criou a Vara Agrária, foi uma importante ferramenta

Desde que assumiu a diretoria-geral do Instituto de Terras do Piauí (INTERPI), em maio de 2019, o advogado Chico Lucas, ex-presidente da OAB-PI, sabia que teria um árduo trabalho a executar. 

A aprovação da Lei de Regularização Fundiária era um dos principais compromissos, o que ocorreu no início de dezembro. A Assembleia Legislativa do Piauí aprovou a proposta e o governador Wellington Dias a sancionou. 

Agora, no final de um ano de trabalho, Chico Lucas avalia as ações frente ao instituto e comenta sobre as tratativas para aprovar esse conjunto de medidas, de modo que agricultores, indígenas, quilombolas e povos tradicionais fossem beneficiados. 

A meta nos próximos anos é colocar a lei em prática, em prol do desenvolvimento do Estado, utilizando-se da tecnologia e da digitalização dos processos, além da contratação de novos servidores para o INTERPI e, ainda, combater a grilagem. Chico Lucas faz análise positiva sobre as ações realizadas, mas ressalta que ainda há muito trabalho pela frente.

A grilagem nasce justamente da insegurança, da falta de informação, da utilização indevida de informações, de espaços públicos, de instituições. .

Portal Douglas Cordeiro - Qual a análise da gestão do INTERPI em 2019 e quais os principais obstáculos?

Chico Lucas - De fato, um dos grandes dilemas do Piauí, isso desde sempre, é a questão da regularização fundiária. Nós precisamos resolver principalmente a questão documental, documentos que embasem a propriedade, a posse das pessoas. Essa discussão vinha sendo feita, às vezes ela é muito acadêmica, muito burocrática, nem sempre as pessoas entendem e aí fica um dilema. Você está tratando de direitos de pessoas simples, que são agricultores, são pessoas que, em tese, não têm acesso a computador, à internet, moram no campo, e precisam buscar os seus direitos, e a norma ficava criando uma série de embaraços. Por isso que o governador Wellington Dias, de maneira muito sábia, chamou o Poder Judiciário, pediu que a Corregedoria fizesse um debate. Num primeiro momento foi o desembargador Ricardo Gentil e depois o desembargador Hilo de Almeida. Então pegou a gestão de dois corregedores. Eles fizeram uma discussão em todo o Piauí para ver quais eram os anseios, envolvimentos com a agricultura no Piauí. Então nós temos vários interesses. Nós temos os povos e comunidades tradicionais, que são os indígenas, e no Piauí existe uma falsa percepção de que não existem indígenas. Nós não temos indígenas reconhecidos oficialmente, mas o Estado brasileiro está tentando corrigir isso e o piauiense também. Nós temos índios, sim, no Piauí. Esses povos precisam ter as suas áreas reconhecidas. Nós temos as comunidades quilombolas, que também precisam ter os seus trabalhos e os seus territórios reconhecidos. Nesse sentido, o INTERPI criou uma gerência de comunidades e lançou o Projeto ‘Comunidades Piauí’ para fazer o mapeamento e tentar regularizar as comunidades tradicionais. Além disso, nós temos os pequenos agricultores. E nesse sentido, ao longo desses últimos 30 anos, 40 anos de INTERPI, nós temos 300 assentamentos. Só que muitos assentamentos criados pelo próprio estado não são regulares. Assim como o INCRA, como outros institutos de terra. Então, todos esses anseios foram discutidos pela Corregedoria, que levou ao Karnak um projeto de lei. Esse projeto foi aperfeiçoado ainda mais, com mais debates, foi levado à Assembleia; na Assembleia tivemos mais outros debates, conduzidos pelo relator, deputado João Mádison, e pelo líder do Governo, deputado (Francisco) Limma, que tiveram muita sabedoria de compatibilizar os interesses. O que que essa lei do Piauí tem de inovadora? Não é a lei em si, mas como ela foi construída. Porque há um dilema, que não minha visão ele pode ser superado, da coexistência dos interesses em um mesmo espaço. A gente tem o agronegócio, que é forte no Cerrado, nós temos as comunidades e povos tradicionais, e nós temos pequenos agricultores. Todo mundo tem espaço. Todo mundo pode coexistir de maneira pacífica, e todo mundo pode fazer parte da mesma cadeia produtiva. A gente não precisa excluir um ao outro. Essa lei conseguiu fazer com todos os entes, todos os movimentos e todos os atores concordassem, tanto que ela foi aprovada à unanimidade. Não teve um voto contrário.

Hoje o Piauí tem, segundo o IBGE, 240 mil imóveis rurais. Nós não temos o número exato de quantos são irregulares, mas eu estimo que mais de 70% dos imóveis sejam irregulares. .

Portal Douglas Cordeiro - Então é uma lei que contempla agronegócio, pequenos agricultores, agricultura familiar, todo mundo que, de uma forma direta ou indireta, depende da terra para sobreviver?

Chico Lucas - Um exemplo dos pequenos agricultores. Essa lei anteriormente só podia ter doação de até 100 hectares, mais do que 100 hectares não podia ser doação. Essa é a realidade para o Norte do Estado, são áreas que são menores do que 100 hectares. Mas lá para o extremo Sul, nós temos pequenos agricultores, pessoas simples que têm áreas superiores a 100 hectares. Foi um pleito da FETAG, foi um pleito dos movimentos que são ligados aos pequenos agricultores, de ampliar a doação para até quatro módulos fiscais. E foi acatado, tanto pelo líder do Governo, deputado Limma, como pelo relator, deputado João Mádison. Além disso, nós tivemos o reconhecimento de domínio, que era um pleito dos produtores de soja. Nós temos matrículas no Piauí que tem 30, 40 anos e ainda hoje há uma insegurança sobre elas. A gente precisa trazer um marco que dê segurança para que todos possam produzir. E aí é o espírito que foi abraçado pelo Poder Judiciário, pelo Poder Legislativo, e sempre foi uma pauta do governador Wellington Dias, de trazer segurança jurídica. Tendo segurança jurídica, nós vamos ter segurança no campo e o desenvolvimento vai trazer paz social. O objetivo do próximo ano é tirar essa lei do papel e fazer com que o INTERPI execute o programa de regularização fundiária. Hoje o Piauí tem, segundo o IBGE, 240 mil imóveis rurais. Nós não temos o número exato de quantos são irregulares, mas eu estimo que mais de 70% dos imóveis sejam irregulares. Eu estou dizendo aqui porque boa parte das pessoas não se preocupa com papel. Elas só vão se preocupar quando precisam ir no banco. Fica um círculo vicioso. O pequeno agricultor não se preocupa em ter papel, sem papel ele não consegue acessar alguns programas do governo, como o crédito rural, e sem crédito ele não consegue investir em sua própria propriedade. Então, você tem um ciclo de pouco investimento, de baixa tecnologia, que faz com ele não consiga desenvolver a sua propriedade. A regularização é importante porque, a partir do momento que o estado age para fazer o georreferenciamento, certificar, levar ao cartório, registrar e abrir a matrícula e dar a matrícula para uma pessoa que tem a propriedade do imóvel, aquela pessoa passa a ter o direito de acessar as instituições financeiras e obter crédito subsidiado para investir na sua propriedade e assim trazer investimentos. Nós somos um estado que nascemos por conta da pecuária. Nós precisamos resgatar essa vocação agrícola. No próximo ano a gente espera executar esse plano de regularização fundiária, usando tecnologias, usando ferramentas. Pra você ter uma ideia, com o apoio da ATI (Agência de Tecnologia da Informação do Piauí), nesse ano de 2019 nós transformamos o INTERPI numa secretaria 100% virtual. Não tem mais processo físico. Isso facilita o trâmite processual e no próximo ano a gente quer ir além. Além de transformar os processos em virtuais, a gente quer usar sistemas que tornem esses processos mais rápidos, para que a gente tente conseguir o maior número de envolvidos. Além disso, o governador autorizou e o banco mundial também, nós vamos fazer agora no mês de janeiro uma seleção para 60 novos profissionais da área de engenharia de agrimensura, geoprocessamento, topografia e na área de desenho, que a gente chama de cadista, para justamente conseguir fazer os mapas, fazer os georreferenciamento das propriedades rurais e a gente possa conseguir agilizar os processos de regularização fundiária.

Portal Douglas Cordeiro - Nós temos a grilagem, que antigamente falava-se muito na região Sul, mas temos já na Região Norte também, na região das praias, a posse de terra de forma ilegal. A Lei de Regularização Fundiária foi o grande destaque do INTERPI em 2019. Há muito tempo tenta fazer isso e não se consegue. Dentro da lei se contempla essa questão do combate à grilagem, tanto na região Norte quanto na região Sul?

Chico Lucas - A grilagem se combate com as instituições agindo de maneira correta, assertiva. A Justiça criou a Vara Agrária, foi uma importante ferramenta. Nós tivemos um grande juiz, Dr. Heliomar, que agora tá em Parnaíba, é um excelente magistrado. Fez um trabalho magnífico. Além disso, a Corregedoria afastou vários registradores que tinham problemas, que faziam coisas que não eram adequadas. Agora o INTERPI passa por essa modernização e o Ministério Público criou a GERCOG, que é o grupo que combate a grilagem de terra. Tudo isso fez com que as iniciativas de grilagem diminuíssem. Não estamos dizendo que foi erradicado, mas diminuíram. Para erradicar, o Piauí deve regularizar a situação das propriedades. Porque a grilagem nasce justamente da insegurança, da falta de informação, da utilização indevida de informações, de espaços públicos, de instituições. Quando todas as instituições, e isso estamos fazendo agora, sentam na mesma mesa e tentam encontrar uma solução nós vamos acabar com a grilagem nesse sentido. É um desafio muito grande, tem muitos interesses econômicos envolvidos, mas há uma total sintonia entre o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o Ministério Público. Eu visitei a Dr. Carmelina, que é a procuradora-geral de Justiça, marcamos uma reunião para janeiro, onde ela vai estruturar de novo o grupo de combate à grilagem, para que, a gente fornecendo as denúncias, o Ministério Público possa promover as ações penais e afastar essas pessoas. A lei não permite que documentos utilizados de má fé sejam regularizados e só pode regularizar aquilo que é produtivo. Se a regularização de terra for bem sucedida, e vai ser, nós vamos acabar com a grilagem de terra no Piauí.

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