Os papas improváveis: Eleições surpreendentes na história da Igreja Católica
Conheça os ocupantes do trono de São Pedro que comandaram a comunidade católica contra todas as previsões e foram revolucionários
- terça-feira, 6 de maio de 2025
- Mateus Dias
A história da Igreja Católica é repleta de momentos em que o Espírito Santo parece ter surpreendido até os mais experientes observadores do Vaticano. Enquanto cardeais de todo o mundo se reúnem para mais um conclave, relembramos os papas que ninguém esperava – figuras que, contra todas as previsões, assumiram o trono de Pedro e, em muitos casos, transformaram profundamente a Igreja.
O EREMITA RELUTANTE: CELESTINO V
Em 1294, a Igreja enfrentava uma crise após mais de dois anos sem papa. Os cardeais, divididos por disputas políticas, receberam uma carta de um eremita de 80 anos chamado Pietro da Morrone, advertindo-os sobre a ira divina caso não elegessem logo um pontífice.
Ironicamente, impressionados com sua piedade, os cardeais elegeram o próprio Pietro como papa. Quando os mensageiros chegaram à sua caverna nas montanhas dos Abruzos para informá-lo, o idoso monge tentou fugir.
Celestino V, como ficou conhecido, nunca se adaptou à vida no Vaticano. Sem experiência administrativa e manipulado por monarcas e cardeais, tomou uma decisão sem precedentes após apenas cinco meses: renunciou ao papado, estabelecendo o precedente jurídico que Bento XVI utilizaria mais de 700 anos depois.
"A grande renúncia de Celestino foi tão impactante que Dante Alighieri o colocou no vestíbulo do Inferno em sua Divina Comédia, como aquele 'que por covardia fez o grande recuso'."
Papa Celestino V / FOTO: Vaticano
O "PAPA DE TRANSIÇÃO QUE REVOLUCIONOU A IGREJA: JOÃO XXIII
Em 1958, após a morte de Pio XII, os cardeais buscavam um papa temporário – alguém idoso que mantivesse o status quo até que pudessem eleger um líder de longo prazo. Escolheram Angelo Roncalli, um cardeal de 77 anos, gorducho e de origem camponesa, que parecia perfeito para o papel.
O mundo católico esperava um pontificado breve e sem sobressaltos. Três meses depois, João XXIII chocou a todos ao anunciar o Concílio Vaticano II – o maior evento da Igreja no século XX, que modernizaria profundamente o catolicismo.
Quando questionado sobre por que convocar um concílio em idade tão avançada, João XXIII simplesmente abriu a janela de seu gabinete e disse: "Para deixar entrar ar fresco na Igreja."
Durante seu curto pontificado de menos de cinco anos, este papa "provisório" transformou a relação da Igreja com o mundo moderno, promoveu o diálogo ecumênico e conquistou o carinho global como o "Papa Bom".
Papa João XXIII / FOTO: Vaticano
O ENIGMA DE 33 DIAS: JOÃO PAULO I
O conclave de agosto de 1978 elegeu rapidamente Albino Luciani, que escolheu um nome inédito combinando seus dois predecessores. De sorriso constante e personalidade humilde, João Paulo I prometia um pontificado de simplicidade e proximidade com os fiéis.
Sua eleição surpreendeu por romper com o perfil diplomático e aristocrático que dominava o Vaticano. Filho de um trabalhador socialista, Luciani falava abertamente sobre temas sociais e planejava reformas na administração da Igreja.
Apenas 33 dias depois, o mundo acordou com a notícia de sua morte súbita. A brevidade de seu pontificado e as circunstâncias de seu falecimento geraram teorias conspiratórias que persistem até hoje.
"O sorriso de João Paulo I durou pouco, mas iluminou o suficiente para mostrar um caminho diferente para a Igreja. Seu sucessor, João Paulo II, adotou parte de seu nome como homenagem."
O PAPA DO FIM DO MUNDO: FRANCISCO
Em 2013, após a histórica renúncia de Bento XVI, os especialistas apostavam em nomes europeus ou curiais para sucedê-lo. O anúncio de "Habemus Papam" trouxe Jorge Mario Bergoglio – um jesuíta argentino de 76 anos que nem figurava entre os favoritos.
A eleição de Francisco quebrou múltiplos precedentes:
- Primeiro papa jesuíta da história.
- Primeiro papa do hemisfério sul.
- Primeiro não-europeu em mais de 1.200 anos.
- Primeiro a escolher o nome Francisco, em homenagem ao santo da pobreza.
Sua primeira aparição na sacada da Basílica de São Pedro já indicava mudanças: vestido apenas com a batina branca, sem os tradicionais paramentos vermelhos, pediu que o povo rezasse por ele antes de dar a bênção.
Desde então, Francisco tem desafiado convenções com seu estilo direto, ênfase nos pobres e marginalizados, e esforços para reformar a Cúria Romana, gerando tanto admiração quanto resistência dentro da própria Igreja.
Papa Francisco / FOTO: Agência Brasil - EBC
OUTROS PAPAS SURPREENDENTES NA HISTÓRIA
Adriano VI (1522-1523)
Único papa holandês da história e último não-italiano antes de João Paulo II, foi eleito enquanto estava ausente do conclave. Professor universitário austero, tentou reformar a corrupta corte papal renascentista, mas morreu após apenas 20 meses, supostamente envenenado.
Gregório XVI (1831-1846)
Monge camaldulense que nunca havia sido bispo antes de se tornar papa. Eleito em um conclave tumultuado durante revoltas nos Estados Papais, não havia sequer recebido ordenação episcopal. Teve que ser consagrado bispo antes de sua coroação papal.
Pio X (1903-1914)
Filho de carteiro e empregada doméstica, Giuseppe Sarto ascendeu de pároco rural a papa, para espanto da aristocracia vaticana. Foi eleito após o imperador austro-húngaro vetar o favorito (o último veto monárquico da história). Tornou-se santo, sendo um dos poucos papas canonizados nos últimos séculos.
O QUE ESPERAR DO PRÓXIMO CONCLAVE?
A história nos ensina que, frequentemente, são os papas inesperados que provocam as maiores transformações na Igreja. Enquanto os cardeais se reúnem na Capela Sistina, vale lembrar que as previsões dos especialistas frequentemente se mostram equivocadas.
O próximo sucessor de Pedro seguirá o caminho reformista de Francisco? Retornará a uma visão mais tradicional? Ou, como tantas vezes na história, surgirá um nome completamente inesperado, pronto para escrever um novo capítulo na milenar história da Igreja?
Como disse certa vez o cardeal italiano Carlo Maria Martini: "O Espírito Santo não participa de pools de apostas." A única certeza é que, como demonstram os papas improváveis da história, o conclave sempre guarda a possibilidade de grandes surpresas.
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