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Corrupção em cena no palco Brasil

O parlamento brasileiro precisa atuar urgente como uma casa legisladora, não como uma CCC (Central de Comando da Corrupção)

30 de julho de 2017, às 18:09 | Dôga Oliveira

Estive outro dia passando pelo aeroporto de Brasília, fazendo escala, rumo ao Estado do Rio de Janeiro. Permaneci ali por uma hora, naquele processo que chamamos popularmente de baldeação. Foi tempo suficiente para encontrar conterrâneos: um sobrinho que estava indo a um congresso esportivo em Aracaju, um amigo músico que vinha do Rio. E tempo mais do que necessário para perceber a movimentação de alguns parlamentares que, penso eu, retornavam aos seus Estados naquela sexta-feira nublada (dia que o parlamento já aboliu como dia de trabalho).

A vai-e-vem dos senhores engravatados era intenso. Um pra lá e pra cá desenfreado. Alguns falavam ao celular, outros, os mais famosos, eram bajulados a olhos vistos pelos seus assessores. Os famosos a que me refiro adquiriram esse status por aparecerem com frequência na TV, não para falarem sobre política e projetos, mas por serem protagonistas de grandes novelas cujo tema central é a corrupção. São atores midiáticos cujo caráter é discutível e a credibilidade questionável. O cenário é o Congresso Nacional, palco principal das negociatas. A trama é cheia de contornos ficcionais, mas seus resultados são reais e extremamente danosos a quem patrocina essa trupe de malandros. O roteiro, escrito a portas fechadas nos gabinetes e apartamentos funcionais, sugere, quase sempre uma rede de intrigas, traições e cinismos sem igual.

Corrupção em cena no palco Brasil

Mas, ainda estou em Brasília e a trama é a seguinte: personagens, (de currículos comprovados na arte da pilantragem), contratados nos três poderes e agindo harmonicamente entre si, compõem um seleto grupo de especialistas em desvios de verbas, acordos financeiros obscuros, fraudes e outros tantos atos ilícitos. Uma rede de corrupção que se vincula a cada esfera de poder por cabeças pensantes instruídas e preparadas para completar a conexão da desonestidade. Toda a ramificação vai se distribuindo de forma a manter um fluxo de informações e contatos que facilitem a trama e criem as condições adequadas para a propina e a barganha. Todos conectados e irmanados em torno do ritual da corrupção. Uma espécie de quadrilha de gravata cujo comando tem base fixa nos altos escalões do poder. Indivíduos bem vestidos transitando por corredores surdos, salas cegas e plenários mudos. O Congresso Nacional é um antro de desonestos.

Mas é cabível dizer que, diluídos nesse caldo indigesto, sobrevivem invencíveis, parlamentares honestos, gente que honra o terno que veste e a constituição que jurou seguir. Gente que certamente é tentada todos os dias a passar para o lado de lá, onde gravitam astros bem maquiados e ávidos pelo poder. E nesse filme escrito a mãos sujas, somos coadjuvantes sem expressão. Somos enquanto quisermos sê-lo. Se os patrocinamos, podemos exigir mudança de roteiro, contratação de novos atores, honestos é claro, e mudança total do elenco. Não aceitaremos nessa nova produção, atores com ficha suja. O respeito e a dignidade serão temas certos e o cenário será outro. O parlamento brasileiro precisa atuar como casa legisladora, não como CCC (Central de Comando da Corrupção). E não esqueçamos de convidar para compor essa grande produção, o eleitor. Sem este e seu ingresso, o voto, a trama não faz nenhum sentido.

É hora de viajar. Deixo Brasília com a sensação de que fui figurante, por uma hora, do cenário de um capítulo inteiro dessa farsa brasileira. Sigo com o pressentimento de que ainda teremos muitos capítulos a assistir, mas sigo também com a certeza de que o roteiro final ainda estar por ser escrito e o papel que cabe a cada um de nós reclama por nossa atuação.

Do alto vejo a dimensão do cenário real enquanto minha sogra, sentada ao meu lado, tece um rosário de orações. Lá vamos nós.


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