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O desenvolvimento brasileiro está parado?

A elite política do País precisa assumir sua responsabilidade nesse processo. E nós, enquanto cidadãos, precisamos cobrar ainda mais

07 de novembro de 2017, às 02:26 | Marcos Luiz

Uma das coisas que virou lugar comum e que escuto de muitas pessoas é uma ideia de que o Brasil não sai do lugar, ou seja, está com seu desenvolvimento estagnado ao mesmo padrão de décadas atrás, o que seria, obviamente, culpa de políticos irresponsáveis e corruptos. Alguns vão mais além e dizem que o Brasil parou no tempo. Outros, mais pessimistas, dizem que o Brasil nunca vai se desenvolver. Será isso mesmo? Estamos historicamente parados em termos de desenvolvimento? O que dizem os números?

Bom, resolvi, mesmo na condição de leigo e com conhecimentos rudimentares de economia, verificar se tal opinião se confirma pelos estudos realizados sobre o assunto ou é puro senso comum, e para isso me servi de um excelente livro do ex-Diretor do IPEA Roberto Cavalcanti de Albuquerque, chamado O Desenvolvimento Social do Brasil (José Olympio Editora, 2011). O livro contém dados estatísticos em abundância sobre o desenvolvimento social do Brasil nas últimas décadas, e pode nos dar uma ideia se realmente progredimos alguma coisa, ou continuamos estacionados, como parece crer o senso comum.

Albuquerque faz utiliza uma base de dados que vai de 1900 até 2010, o que a meu ver é uma amostragem bastante razoável, e nos dá uma dimensão do que ocorreu do Brasil em seu período republicano, apesar dos altos e baixos da democracia no País, ou seja, dos freqüentes períodos de exceção que ocorreram por aqui. Para tanto, ele se vale de três índices: IDS (índice de desenvolvimento social); ICH (índice de capital humano) e IIS (índice de inclusão social).

Vamos aos números. Em 1900 o Brasil era um País de cerca de 17 milhões de habitantes, com um PIB global de US$ 12,3 bilhões, e um PIB per capita de US$ 708 (dólares). Em 2010, o país possuindo já cerca de 191 milhões de habitantes, a estimativa era de um PIB de US$ 2.162 bilhões, e um PIB per capita de US$ 11.333 (onze mil e trezentos e trinta e três dólares). Cabe ressalvar que a despeito desse PIB per capita ter aumentado consideravelmente, isso não significa necessariamente redução de desigualdade, mas tão somente que o PIB global cresceu muito em relação ao que era no início do século.

Outro dado interessante: a era do alto crescimento no Brasil se deu entre 1900 e 1980, em que houve, segundo o autor, uma “metamorfose” do Estado, que passou a se voltar para a industrialização e o desenvolvimento. Ou seja, a despeito de teorias neoliberais que defendem outro tipo de atuação do Estado em face do desenvolvimento, no Brasil o crescimento se deu com forte impulso estatal, que levou a diversificação da indústria e das exportações. E a partir da década de 60 houve uma mudança significativa da infra-estrutura de energia elétrica e de comunicações, o que teve impacto importante na ampliação do parque industrial do País. O resultado foi um crescimento do PIB de cerca de 6,5%, e do PIB per capita de 3,9%, ao ano.

Estamos historicamente parados em termos de desenvolvimento? O que dizem os números?

A partir do ano de 1980 entramos numa fase que o autor chama de “estagnação prolongada”, que vai basicamente até o ano 2003, onde tivemos “gerações de brasileiros que nunca viram o país e crescer”, o que mudou significativamente a partir do ano de terceiro ano do novo século. Nesse período (80-2000) tivemos um crescimento do PIB de cerca de 2% ao ano, e de um PIB per capita de apenas 0,18% ao ano. Na década seguinte, tivemos um reinicio do crescimento, em novas bases, com uma expansão do PIB para 3,6% ao ano (global) e 2,3% ao ano per capita. O pesquisador ressalva: “enquanto o PIB per capita cresceu a quase 4% ao ano na fase de alto crescimento, seu avanço foi um pouco mais de 2% na década de 2000-2010”, ou seja, o PIB per capita a partir de 2000 não teve aumento significativo. Isso significa que o crescimento dos anos 2000-2010 não foi tão significativo ao ponto de igualar-se ao período de maior crescimento do Estado Brasileiro, mas bem mais significativo que do período de estagnação (1980-2000).

Em relação ao desenvolvimento social, o autor se utiliza do índice IDS e do IIS para aferir tais dados. Em 1970 o IDE do Brasil era de 3,6, chegando em 1980 a 5,7, em 2000 a 6,7 e em 2010 a 8,1. Ou seja, na década de 70, quando o Brasil teve o seu maior crescimento, o índice de desenvolvimento social cresceu mais do que nas décadas de estagnação (80-2000). De 2000, ao contrário, o crescimento teria se dado com maior desenvolvimento social, ainda que em patamar inferior ao da década de 70. O índice de capital humano, que é o produto componente da educação pela população de 15 anos ou mais, evoluiu da seguinte forma: 1970 – 100; 1980 - 201; 2000 – 637; 2010 – 663. Ou seja, no período de maior crescimento, na década de 70, o ICH aumentou cerca de 100%. Ocorre que no período de 80 a 2000 esse índice praticamente triplicou, a despeito da estagnação econômica do país, e nos anos 2000-2010 houve uma ampliação do capital humano em 4%, e do PIB em 7%.

Por fim, o índice de inclusão social (ISS) demonstra que o País teve um aumento razoável entre 2001 e 2009. O ISS mede a inserção econômica (emprego e renda), educacional e digital. Em 2001 era em media de 4,5 %, enquanto que em 2009 chegou a uma média de 6%. Em 2010 esse índice chegou a 6,8%, aumentando em 8% em relação a 2009. O PIB na última década cresceu em média 3,6%, enquanto a IIS cresceu 2%, o que pode demonstrar que o crescimento do PIB não tem se refletido em políticas públicas de inserção social, educacional, e digital. O desenvolvimento social no Brasil tem sido mais baixo, ao longo da sua história, que o desenvolvimento econômico, o que nos leva a crer, mais uma vez, que há concentração de renda e falta de investimentos no desenvolvimento social, mesmo no período de “vacas gordas”.

Albuquerque adota uma visão de futuro baseada na ideia de “economia do conhecimento”, onde caberia ao Estado levar a todos o conhecimento a todos os setores da economia (agronegócio, mineração, petróleo/gás, tecnologia), mediante tecnologias especificas do setor, em suas inúmeras formas e que são essenciais para a modernização de qualquer País. Por outro lado, ele aponta um ponto vital da sua agenda do conhecimento: a necessidade de levar conhecimento, sob a forma de educação, a todos os segmentos da sociedade, de alta ou baixa renda. Se esse investimento for feito, segundo o autor, em 2025 o Brasil alcançaria o quinto PIB do mundo, após China, EUA, Índia e Japão, e estaríamos com um “pé” no grupo dos países desenvolvidos.

Um dos objetivos-meta propostos por Albuquerque nas conclusões do seu livro é a redução significativa da desigualdade nos próximos anos. Segundo ele, por detrás desse objetivo “esconde-se uma verdadeira revolução social, capaz de infundir grande dinamismo à economia e forte viés de redução das tensões e conflitos, atuais e potenciais, que sobrecarregam a sociedade brasileira”. E conclui: “essa transformação, de natureza estrutural, logrará tanto mais êxito quanto mais beneficiar a todos os segmentos da sociedade com crescimentos reais, embora diferenciados, de renda”. Ou seja, precisamos estar imbuídos desse propósito de reduzir significativamente a desigualdade no País como uma meta de construção de um novo País desenvolvido. Sem isso, continuaremos patinando rumo ao progresso econômico e social.

O problema é que, infelizmente, temos um “índice” que não avança: o de responsabilidade política. O que vemos no Brasil é o contrário do que seria necessário para progredirmos e atingirmos tal patamar. Redução significativa de investimentos na educação e saúde pode levar o Brasil a um processo duradouro de estagnação, pelo menos é o que se pode vislumbrar quando se observa uma PEC que impede investimentos durante 20 anos, ou com os cortes significativos que tem ocorrido ano a ano em educação, ciência e tecnologia.

O Brasil não está e nunca esteve parado social e economicamente, como parece querer crer certo senso comum. Talvez sejamos tão ricos que não nos damos conta, à vezes, que mesmo aos trancos e barrancos, com problemas sérios em relação à democracia no País, crescemos, ainda que pouco. Mas poderíamos ter crescido mais. A elite política do País precisa assumir sua responsabilidade nesse processo. E nós, enquanto cidadãos, precisamos cobrar ainda mais que esses agentes públicos se engajem seriamente em um projeto de futuro para o País, que passe pelo desenvolvimento econômico, mas que tenha como meta principal a extinção da miséria e da pobreza e a redução significativa da desigualdade social. Mesmo o “famigerado” FMI, uma das instituições mais odiadas pelo mundo afora, vem mudando suas posturas e defendendo o combate à desigualdade como algo prioritário, especialmente nos países em desenvolvimento, conforme podemos ver em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/10/23/interna_politica,910577/r-11-milhoes-para-escola-do-relator-da-denuncia-contra-temer.shtml.

É difícil? É, mas os dados mostram que avançamos nesse sentido, e que mesmo em momentos de estagnação econômica houve algum tipo de melhoria social. Não se trata, portanto, de sonho ou utopia. É preciso que tenhamos maior responsabilidade, engajamento e participação na vida política do País. E que saibamos, acima de tudo, o que queremos. Se não sabemos exatamente qual é nossa meta, um projeto de País, dificilmente chegaremos a algum lugar. Talvez esse seja o grande problema brasileiro: a falta de um projeto que uma os brasileiros do sul ao norte, em todos os seus setores e classes. 


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