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Meio ambiente requer ciência e pesquisa

À medida que “todos” passam a opinar sobre questões ambientais, torna-se cada vez mais imprescindível a pesquisa científica e o rigor acadêmico

19 de setembro de 2017, às 00:14 | Dalton Macambira

Costumamos dizer que o debate sobre o meio ambiente nos últimos 20 anos saiu do cantinho da última página do segundo caderno e ganhou os editoriais da grande mídia. Hoje, não apenas os especialistas tratam dessa temática, mas a sociedade em geral manifesta alguma ideia ou opinião sobre desastres naturais, seca, enchentes, desmatamento e até sobre o tema da moda: mudanças climáticas, mesmo que muitas vezes confunda problemas na camada de ozônio com aquecimento global. Mas isso é bom, pois democratiza o debate e eleva o nível de consciência acerca da imperiosa necessidade da preservação ambiental e, sobretudo, da importância do uso racional dos recursos naturais.

No entanto, à medida que “todos” passam a opinar sobre as questões ambientais, torna-se cada vez mais imprescindível a pesquisa científica e o rigor acadêmico para fazer a mediação do debate e qualificar melhor a formação da opinião pública, superando o senso comum. Sempre que vimos “ambientalistas” dando entrevistas na mídia local ficamos nos perguntando: por que os meios de comunicação não procuram os professores, pesquisadores e pós-graduandos das universidades que estão estudando aquele assunto?

Seguramente essa atitude nos pouparia de ouvir coisas do tipo: “o plantio de eucalipto vai aumentar (sic) a temperatura em Teresina para 50 graus”, ou ainda: “a instalação dessa fábrica vai envenenar as águas do Parnaíba e matar a população da cidade”. O problema é que essas coisas são ditas sem qualquer estudo consistente e sem qualquer base em pesquisa científica, mas como as notícias de catástrofe elevam a audiência somos bombardeados diariamente por esse tipo de notícia de fontes bastante duvidosas.

Nessa perspectiva, destacamos, como exemplo, o mestrado e o doutorado em desenvolvimento e meio ambiente - PRODEMA, da Universidade Federal do Piauí - UFPI, que tem realizado uma série de pesquisas e publicado trabalhos abordando os diversos problemas e apontando soluções para as questões ambientais do nosso estado. O uso da ciência, portanto, qualifica e eleva o nível do debate sobre as questões relacionadas a essa temática e aos desdobramentos econômicos e sociais, próprios do processo de desenvolvimento, ao revelar dialeticamente as complexas relações entre a humanidade e a natureza ao longo do tempo. Esses estudos foram e estão sendo produzidas por especialistas das mais variadas áreas do conhecimento e envolvem profissionais das ciências da natureza, humanas, exatas, agrárias, tecnológica, dentre outras.

Mestrado e o Doutorado em desenvolvimento e meio ambiente da UFPI

Teses e dissertações sobre o nosso cerrado, por exemplo, ambiente complexo e de muitas polêmicas, também abordam as transformações recentes, ocorridas em função da expansão da fronteira agrícola. Conhecer a nova dinâmica da ocupação territorial e suas consequências no espaço urbano e rural é fundamental, principalmente para o planejamento de políticas públicas.

As pesquisas destacam também o novo mundo do trabalho que se forma, desorganizando o anteriormente existente, e a resistência dos trabalhadores a esse processo de transição, recuperando, em boa hora, o conceito marxista da luta de classes como elemento fundante da eterna contradição civilizatória do mundo capitalista. Em outros trabalhos, somos instigados a pensar que o cerrado não é apenas o ambiente do agronegócio da soja, do algodão, do milho e do uso alternativo do solo, mas também pode ser o espaço da inclusão dos pequenos agricultores, através do agronegócio da agricultura familiar e do extrativismo, uma excepcional oportunidade de explorar a floresta sem precisar derrubá-la. Aliás, o PRODEMA/UFPI tem desenvolvido pesquisas para tratar da agricultura multifuncional em pequenas propriedades, revelando que o nosso cerrado não é apenas o universo da grande propriedade.

A rica abordagem dos mais variados temas das pesquisas também chama a atenção. São trabalhos que destacam a importância do turismo sustentável e a importância das unidades de conservação, privilegiando a preocupação não apenas com a preservação ambiental, mas com a geração de renda e oportunidades de trabalho, demonstrando que a sustentabilidade passa necessariamente por atividades econômicas viáveis, socialmente justas e ambientalmente corretas, para usar adequadamente o conceito atual de sustentabilidade.

As publicações do PRODEMA/UFPI sempre navegam pelo conceito do desenvolvimento sustentável, anteriormente referido, tratando da inclusão social e da agricultura familiar, algumas outras discutem esse universo ao abordar de duas questões-chave para o pequeno produtor: tecnologia e acesso ao crédito. Sem conhecimento científico, educação ambiental e sem financiamento, esse agricultor continuará a degradar o ambiente, pois a sobrevivência sempre virá em primeiro lugar. Talvez o principal exemplo nesses duzentos anos de história do Piauí seja o plantio nas margens dos rios, as chamadas vazantes.

Outras pesquisas discutem o grave problema de saneamento no nosso estado e, particularmente, em nossa capital. A proposição da logística reversa, não apenas como exigência legal, mas como oportunidade de gerar riqueza e negócios através do arranjo produtivo do lixo é uma grande saída para equacionar o problema da enorme geração de resíduos em uma sociedade de consumo, cada vez mais consumista. No caso da contaminação dos nossos mananciais, criminosamente poluídos pelos lançamentos clandestinos de esgotos nas redes e galerias de águas pluviais, a solução passa necessariamente por educação ambiental da população, pela ampliação da rede coletora e de tratamento de esgotos e a regularização de alguns cursos d’água. Não podemos esquecer que uma das causas das enchentes em Teresina é a grande quantidade de lixo gerado sem o destino adequado.

Por fim, mas não menos importante, destacam-se trabalhos sobre uso e ocupação da terra e a importância da organização da sociedade, bem como a gestão urbana do meio ambiente. Nesse caso, não custa lembrar que os meios de comunicação insistem em dar maior visibilidade aos crimes ambientais no meio rural (que são muitos e precisam ser combatidos), basta observar como foi realizada a cobertura pela mídia em relação à aprovação do novo código florestal. No entanto, é mesmo nos centros urbanos que estão as grandes fontes de poluição, contaminação e delitos ambientais.

O mais importante é que o PRODEMA/UFPI conquistou pelo menos duas grandes proezas. A primeira delas é constatar que a ausência da ciência no debate sobre qualquer tema, principalmente o ambiental, gera muita energia e pouca luz. Apenas por esta razão esse programa de pós-graduação já seria justificável, pois consegue iluminar essa discussão. A segunda é demonstrar que o debate acadêmico e a pesquisa científica produzem saber, mas o trabalho não pode perder o seu conteúdo interdisciplinar, isto é, não podemos focar a parte e perder de vista o todo, não apenas em função de orientações metodológicas e teóricas diversas, mas em função das diferentes áreas do conhecimento envolvidas.

Nesse sentido, o PRODEMA/UFPI tem conseguido, mesmo envolvendo ramos distintos do saber, como disse Engels, em sua obra Dialética da Natureza, publicada ainda no final do século XIX, “enxergar a árvore sem perder de vista a dimensão da floresta”, literalmente.

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(*) Dalton Macambira é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí – UFPI e doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo PRODEMA/UFPI ([email protected]). CV: http://lattes.cnpq.br/1103145216766050


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