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O julgamento de Lula e as lições da história

Espera-se que mais uma vez saia vitoriosa a democracia, a soberania de nosso país e o interesse legítimo da maioria do povo brasileiro

18 de janeiro de 2018, às 23:02 | Dalton Macambira

Dalton Melo Macambira (*)

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região de Porto Alegre irá julgar o recurso impetrado pelos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a condenação imposta a ele pelo juiz Sérgio Moro, na primeira instância. A celeridade com que a segunda instância decidiu marcar a data do julgamento chamou a atenção de especialistas, mas a grande mídia considerou tudo normal e tem ao longo do processo se posicionado favorável à condenação antecipada de Lula.

Não cabe, nos limites deste ensaio, entrar nas filigranas jurídicas do caso. No entanto, um conjunto respeitável de juristas tem afirmado que não existem provas para a condenação e que tem havido uma enorme influência política no judiciário brasileiro nesse processo. Outrossim, a grande mídia, especialmente a Rede Globo, tem insistido numa divulgação parcial dos acontecimentos que envolvem esse processo judicial, com suas baterias claramente apontadas para o líder nas pesquisas eleitorais, tentando, mais uma vez, influenciar indevidamente no processo eleitoral, desvirtuando a vontade democrática do eleitor.

Destaca-se que, na história do nosso país, a interferência das grandes empresas de comunicação nos processos eleitorais, em que poucas famílias monopolizam a informação, e da indevida interferência política no judiciário não são fenômenos recentes. O velho ditado de que no Brasil a justiça só prende “os três p: pobre, preto e prostituta” está sendo usado pelas elites para justificar a condenação, e de preferência a prisão, do primeiro homem de origem humilde, retirante do Nordeste, operário e líder sindical a ocupar o cargo de presidente da República. Na verdade, a forma como transcorre o processo apenas traduz para o mundo político a assertiva dessa tese.

No caso do poder judiciário, todas as suas decisões sempre foram políticas e de classe. Os mais ricos sempre contrataram os melhores advogados, por vezes amigos dos juízes, enquanto que os mais pobres sempre foram condenados por um poder judiciário submetido a interesses corporativos e com relações nada republicanas com as elites dominantes. O “Caso dos irmãos Naves”, ocorrido em Araguari, 1937, Minas Gerais, foi emblemático. Após se declararem culpados foram presos e condenados por um crime que não cometeram. Quando o grave erro judicial foi revelado, fato raro, afirmaram: “tudo o que disse foi de medo e pancada [...]”.

As conduções coercitivas e abusivas de hoje, que são prisões temporárias e se transformam em permanentes, somente são revogadas quando a “Republica de Curitiba” obtêm a confissão desejada. Qualquer relação da forma de obtenção da “delação premiada” com o que ocorreu com os irmãos Naves não é mera coincidência. Alguém pode dizer: mas Lula e Dilma indicaram a maioria dos membros do Supremo. Pois é, assim como o PT, eles achavam equivocadamente que o fato de terem sido eleitos demonstrava o fim da luta de classes no Brasil. Erro histórico da socialdemocracia, também cometido pelos socialdemocratas alemães nas vésperas da tomada do poder por Hitler, pela via eleitoral, no início da década de 1930.

Ex-presidente Lula / Foto: Poder 360

A interferência das empresas de comunicação, controladas por nossas elites, na vida política do país também não é um fato recente. No início dos anos de 1950 são conhecidas as posições de Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, contra a posse de Getúlio Vargas: “Esse homem não pode ser candidato; se candidato não pode ser eleito; se eleito não deve tomar posse; se tomar posse não deve governar”. Lacerda, pertencente à União Democrática Nacional (UDN), uma espécie de mistura entre o PSDB e o DEM de hoje, tentou também impedir a possede Juscelino Kubitschek (PSD), em 1955, e foi uma das principais lideranças civis do golpe que instaurou a ditadura militar em 1964.

Por falar em ditadura militar, é importante lembrar que o golpe que depôs João Goulart, em 1964, teve o apoio do Congresso Nacional, da OAB, do STF e da grande mídia. Todos afirmando que tal situação esdruxula estava prevista na Constituição Federal. Qualquer relação com o golpe parlamentar, judiciário e midiático que derrubou Dilma Rousseff, em 2016, também não é mera coincidência.

Portanto, um bom observador da cena brasileira atual, facilmente perceberá que estão tentando fazer com Lula o que fizeram com Getúlio, JK e Jango, apenas para citar exemplos mais recentes de nossa história. Qual a principal justificativa da crítica contra eles pela grande mídia? Combate à corrupção, por incrível que possa parecer.

Tem gente que até bateu panela, vestiu a camiseta da CBF e correu atrás do “pato amarelo” da FIESP achando que aquele movimento era contra a corrupção. Hoje muitos estão arrependidos e envergonhados por terem sido enganados, pois descobriram que o resultado foi o governo Temer, cujo significado é do conhecimento de todos, especialmente o seu caráter corrupto e de conteúdo antinacional e antipopular.

Na verdade, as nossas elites conservadoras e oligárquicas nunca aceitaram perder privilégios, principalmente para beneficiar as classes subalternas com políticas sociais compensatórias, implementadas por Getúlio, JK, Jango, Lula e Dilma. Não gostam do nosso povo. Também não gostam do Brasil, preferiam ser estrangeiros, de preferência ingleses, franceses e, mais recentemente, norte-americanos. É o famoso “complexo de vira-lata” que ao longo da história optou por transferir as nossas riquezas para as potências centrais, comprometendo a nossa soberania. Também não gostam da democracia. A nossa história está recheada de golpes e soluções autoritárias toda vez que seus interesses estão ameaçados. De 1985 a 2016 tivemos o mais longo período democrático de nossa história republicana, mais uma vez interrompido por um golpe.

Precisamos não apenas pesquisar e ensinar história, mas, sobretudo, aprender com ela. Nesse sentido, a realidade atual de nosso país é um imenso laboratório, uma biblioteca fervilhando de contradições e interesses antagônicos. Não se sabe qual o resultado do jogo, pois a história não é uma linha reta que apenas caminha para frente, pois ela é feita de avanços e retrocessos, vitórias e derrotas.

Espera-se que mais uma vez saia vitoriosa a democracia, a soberania de nosso país e o interesse legítimo da maioria do povo brasileiro.

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(*) Dalton Melo Macambira é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí.


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