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Eleições e os riscos da democracia no Brasil

Os números da eleição revelam que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, não terá a força política que esperava

30 de outubro de 2018, às 09:30 | Dalton Macambira

O processo eleitoral foi encerrado com claros sinais de ameaças ao futuro da democracia em nosso país. O candidato vencedor, Jair Bolsonaro, afirmou durante a campanha que iria varrer a esquerda do Brasil, pois seus integrantes teriam como destino a prisão ou o exílio. No seu primeiro discurso, após sair o resultado das urnas, reafirmou críticas aos seus “inimigos” e a imprensa.

Essas manifestações são claramente fascistas. Alguns incautos vão dizer: como pode ser fascista alguém que defende ideias liberais? Na ascensão do nazi-fascismo na Alemanha e na Itália, diante da crise do capitalismo, a burguesia “liberal” não vacilou em apoiar Hitler e Mussolini para assegurar os seus lucros e privilégios. O resultado dessa aliança todos conhecemos. A burguesia brasileira fez o mesmo em 1964: foram 21 anos de ditadura que deixaram terríveis traumas em nossa história. Outros menos informados vão dizer: mas ele não é cristão e defensor da família tradicional? Respondo: como um cristão pode defender a violência, da qual ele próprio foi vítima, como instrumento para resolver dramas sociais e políticos? Quanto à família tradicional, ele próprio respondeu, ao afirmar que usava o seu auxílio moradia para “comer gente”.

O golpe judicial, parlamentar e midiático que derrubou a presidente Dilma e a condenação injusta, a prisão arbitrária e a retirada ilegal de Lula da disputa eleitoral, líder de todas as pesquisas, acabou por desarticular todo o sistema político brasileiro, construído após o fim da ditadura militar. Permitiu a ascensão de um aventureiro caricato, autoritário, defensor da tortura, dos torturadores e do regime de exceção que havia se encerrado com a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral, após o memorável movimento das “Diretas Já”. Os principais derrotados são o PSDB, de Aécio, e o MDB, de Temer.

Mas a vitória de Bolsonaro não foi tão grande quanto o seu grupo pretendia. A tão decantada vitória no primeiro turno não veio. No segundo turno, houve a denúncia de que o candidato teria articulado, junto com empresários, uma organização criminosa que injetou milhões de reais em sua campanha, caixa dois, para a produção de “fake news” contra Haddad e Manuela. O Supremo e o TSE, que foram tão duros com Lula e o PT, fizeram de conta que não tinham nada a ver com isso e a mídia pouco tratou do assunto e depois calou.

Os números do pleito revelam que Bolsonaro não terá a força política que esperava. Senão vejamos o total de votos, em números arredondados:

Total de eleitores: 147 milhões (100%);

Bolsonaro: 57 milhões (39%);

Haddad: 47 milhões (32%);

Brancos: 2,5 milhões (2%);

Nulos: 8,5 milhões (7%);

Abstenção: 31 milhões (20%).

Muitos eleitores preferiram se omitir da disputa (20%). Outros tantos optaram por dizer não aos dois candidatos em disputa (9%). Uma quantidade significativa votou contra quem venceu a eleição (32%). Portanto, cerca de 90 milhões de eleitores (60%) não concordaram com as ideias e atitudes de Bolsonaro. É importante que o novo presidente e os seus apoiadores tenham consciência que não receberam um cheque em branco para governar e que, mesmo derrotada, a oposição tem a maior bancada na Câmara Federal. Nesse contexto, para governar, se não cumprir a promessa de fechar o Parlamento, terá que negociar com o “centrão”, o que há de mais fisiológico e conservador, para ter maioria no Congresso Nacional.

Outros números também devem deixar o novo presidente consciente que suas ideias autoritárias não irão se impor sem resistências. Ele ganhou a eleição em 2.760 cidades, enquanto Haddad venceu em 2.810 municípios. Bolsonaro venceu a eleição em 16 estados, mas perdeu as eleições em 11: Pará, Tocantins e todos da Região Nordeste. O seu partido, o PSL, elegeu apenas 3 governadores: Rondônia, Roraima e Santa Catarina.

Portanto, o país continua extremamente dividido e o contraditório discurso do novo presidente de unificar o país, se é que foi sincero, serão palavras ao vento se não tiver consciência dos limites ao seu poder impostos pela realidade dos números da eleição, pela Constituição Federal e pela necessidade de concertação social e política exigida pelo estado de direito.

Nesse sentido, cabe à sociedade brasileira continuar vigilante quanto às práticas fascistas verificadas no período eleitoral, pelo próprio candidato eleito e muitos de seus seguidores, e organizar a resistência democrática para manter acesa a chama da luta pelas liberdades civis, por direitos sociais, pela soberania nacional e pela nossa jovem e ameaçada democracia.

Os números do pleito revelam que Bolsonaro não terá a força política que esperava

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(*) Professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí – UFPI.


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