Morre Niède Guidon, a arqueóloga que revolucionou a história das américas no Piauí
Contrariando o consenso acadêmico, ela defendeu que os primeiros humanos chegaram às Américas há mais de 50 mil anos
- quarta-feira, 4 de junho de 2025
- Mateus Dias
A comunidade científica mundial lamenta a perda de uma das mais importantes figuras da arqueologia brasileira. Niède Guidon, responsável por abalar as estruturas do conhecimento estabelecido sobre a ocupação humana nas Américas, morreu aos 92 anos, deixando um legado que transformou para sempre nossa compreensão sobre a pré-história do continente.
A TEORIA QUE ABALOU O MUNDO CIENTÍFICO
Contrariando o consenso acadêmico predominante, Guidon defendeu com veemência e base científica que os primeiros humanos chegaram às Américas há mais de 50 mil anos - uma proposta que desafiou radicalmente a narrativa tradicional que situava essa ocupação em apenas 12 mil anos atrás. Suas escavações meticulosas no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, revelaram evidências arqueológicas que sustentavam essa teoria revolucionária.
Os vestígios descobertos por sua equipe em abrigos rochosos naturais, repletos de impressionantes pinturas rupestres, forneceram as provas que colocaram o Brasil no epicentro dos debates sobre a pré-história americana. O impacto foi tão significativo que a UNESCO reconheceu a importância da região, declarando-a Patrimônio Mundial em 1991.
Niède Guidon contrariou o consenso acadêmico / FOTO: Bob Castro - Ministério do Turismo
CINCO DÉCADAS DE DEDICAÇÃO À CIÊNCIA
Durante mais de 50 anos, Niède dedicou sua vida à pesquisa arqueológica, ocupando por grande parte desse período o cargo de diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM). Seu trabalho incansável não apenas revolucionou teorias científicas, mas também transformou a região de São Raimundo Nonato em referência mundial para estudos arqueológicos.
Em comunicado oficial, o Museu do Homem Americano destacou que a contribuição de Guidon transcendeu o âmbito puramente científico: "Mais do que uma cientista, Niède foi uma incansável defensora da preservação do patrimônio cultural e natural do país. Fundou o Museu do Homem Americano e foi responsável por transformar a região da Serra da Capivara de São Raimundo Nonato em um dos mais relevantes sítios arqueológicos do mundo. Lutou, por décadas junto a sua equipe, para garantir investimentos e infraestrutura para o parque, enfrentando com firmeza o abandono do Estado."
RECONHECIMENTO TARDIO, MAS MERECIDO
Apenas um mês antes de seu falecimento, em julho de 2024, Guidon recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), uma homenagem ao impacto monumental de suas pesquisas arqueológicas no estado. Com a humildade que sempre caracterizou sua trajetória, a arqueóloga minimizou seus próprios méritos durante a cerimônia.
"Meu trabalho foi reconhecido de uma maneira que eu nem mereço. Quem merece tudo isso é o homem pré-histórico, que deixou esse patrimônio fantástico aqui na região da Serra da Capivara", declarou Guidon à imprensa, demonstrando sua eterna reverência aos povos ancestrais cujas histórias ela ajudou a revelar.
O LEGADO QUE PERMANECE
A teoria proposta por Guidon continua sendo fundamental para nossa compreensão sobre como ocorreu o povoamento das Américas. Embora o modelo tradicional sugerisse que os primeiros humanos chegaram exclusivamente pelo Estreito de Bering há cerca de 12 mil anos, as descobertas da arqueóloga abriram caminho para novas hipóteses e rotas migratórias muito mais antigas.
O trabalho pioneiro de Niède Guidon não apenas reescreveu capítulos da história humana, mas também estabeleceu novos parâmetros para a arqueologia brasileira, elevando-a ao patamar internacional. Seu legado permanece vivo nas paredes rochosas da Serra da Capivara, nos corredores do Museu do Homem Americano e, principalmente, na revolução científica que ela protagonizou.
Nota do Museu do Homem Americano
Faleceu na madrugada desta quarta-feira (4), aos 92 anos, a arqueóloga Niéde Guidon, uma das mais importantes pesquisadoras da história brasileira. Reconhecida internacionalmente, ela dedicou sua vida ao estudo da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, onde liderou escavações que mudaram o entendimento sobre a presença humana nas Américas.
Niéde foi pioneira ao defender, com base em evidências arqueológicas, que o povoamento do continente americano teria ocorrido há mais de 50 mil anos — muito antes do que se acreditava até então. Suas descobertas causaram debates acalorados na comunidade científica e colocaram o Brasil no centro das discussões sobre a pré-história das Américas.
Mais do que uma cientista, Niéde foi uma incansável defensora da preservação do patrimônio cultural e natural do país. Fundou o Museu do Homem Americano e foi responsável por transformar a região da Serra da Capivara de São Raimundo Nonato em um dos mais relevantes sítios arqueológicos do mundo. Lutou, por décadas junto a sua equipe, para garantir investimentos e infraestrutura para o parque, enfrentando com firmeza o abandono do Estado.
Sua trajetória é marcada pela paixão, pela persistência e por uma visão generosa da ciência como instrumento de transformação social. Graças ao seu trabalho, milhares de estudantes, pesquisadores e moradores da região foram impactados, e a Serra da Capivara se tornou um símbolo do nosso passado mais remoto.
Niéde Guidon deixa um legado imensurável para a ciência, a cultura e a história do Brasil. Seu nome estará para sempre gravado nas pedras que ajudou a revelar — e nos corações de todos que sonham com um país que valorize seu patrimônio e seus cientistas.
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