O mercado da venda de sentenças judiciais no Brasil
Os dados do CNJ revelam a existência de um lucrativo mercado de “venda de sentenças” ou “venda de liminares”, envolvendo juízes e desembargadores, com valores entre R$ 750 a R$ 400 mil
Segundo The Intercept Brasil (2018; 2019), com base em levantamento feito junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI/ Lei nº 12.527/2011), um grupo de juízes e desembargadores – alguns até corregedores, que têm a função de fiscalizar – movimentam centenas de milhares de reais através de extorsão, peculato, suborno, corrupção, estelionato, prevaricação e os crimes funcionais (art. 312-326 do CP).
Os dados revelam a existência de um lucrativo mercado de “venda de sentenças” ou “venda de liminares”, envolvendo juízes e desembargadores, com valores entre R$ 750 a R$ 400 mil. Conceitualmente, o crime “venda de sentenças” não existe tipificado dessa forma no Código Penal nem na Lei Orgânica da Magistratura.
De acordo com os dados do CNJ, desde 2005, sete juízes e quatorze desembargadores foram condenados por crimes que favorecerem parlamentares, gestores públicos, empresários, bicheiros e narcotraficantes. Além de outros 13 casos em que há fortes indícios de “crimes de toga” e 140 processos administrativos disciplinares em andamento, sendo 21 que tratam do “mercado de sentenças”.
No Brasil, o corporativismo e a certeza da impunidade é um escudo na história do Judiciário. Pois, desde 2009, foram 58 magistrados punidos pelo CNJ, sob a acusação de venda de decisões judiciais, onde apenas um foi julgado e condenado criminalmente – 35 juízes de primeira instância, 22 desembargadores e 1 ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Todavia, o afastamento com vencimentos integrais reforça a sensação de impunidade.
Caso raro, em 11/2019, foi a prisão preventiva da ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Maria do Socorro Barreto Santiago, pois a punição não tem conformidade com a gravidade dos crimes que colocam a Justiça à venda, impedindo o acesso às informações (ENGELMANN, 2019).
Os preços de atacado no “mercado de sentenças” não seguem a inflação ou o IPCA, mas as condições e posições dos clientes, ou seja, à moda da causa e a “classe social” (JESSÉ DE SOUZA, 2017;2018). Por exemplo, em Xinguara-PA, um habeas corpus para um acusado de assassinato, custou R$ 70 mil; em Ceará-Mirim, no interior do Rio Grande do Norte, R$ 750 cada liminar.
No caso de Ceará-Mirim, o juiz José Dantas de Lira – condenado em 2017 – criou uma espécie de “consórcio de decisões”, em que a margem de lucro era pequena, mas ele lucrava na quantidade de liminares, que saíam entre R$ 750 e R$ 1,8 mil cada – em seis meses Lira concedeu 22 liminares a apenas três pessoas. Segundo o Ministério Público do Rio Grande do Norte, de 2007 a 2009 foram movimentados mais de R$ 3 milhões na conta de um dos envolvidos no esquema de “consórcio de decisões”.
Como um mercado comum há calotes, como no caso do desembargador Jovaldo dos Santos Aguiar, Corregedor do Tribunal de Justiça do Amazonas, que foi afastado após ser denunciado por um empresário e advogado que pagou, mas não recebeu a decisão negociada.
No Brasil, até onde se sabe, a sentença mais cara foi cobrada pelo desembargador Rubem Dário Peregrino Cunha – condenado em 2012 -, do Tribunal de Justiça da Bahia: R$ 400 mil por uma decisão judicial para livrar um prefeito de uma acusação de corrupção – que, além do dinheiro, pediu um cargo para a namorada do filho, em São Francisco do Conde-BA (CNJ, 2012). Portanto, a “mercado de sentenças” e a procrastinação de processos compensa – os 58 punidos com aposentadoria compulsória lucraram R$ 137 milhões – equivale a 1.562 aposentados do INSS.
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