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A violência e os deserdados são nossa culpa!

Nas questões sociais impressiona como não conseguimos discutir as causas, mas sempre exigimos a imediata solução do efeito

26 de julho de 2017, às 18:29 | Edmar Oliveira

Nas questões sociais impressiona como não conseguimos discutir as causas, mas exigimos a imediata solução do efeito. Às vezes, só uma visão lá de fora nos faz entender o que se passa aqui na nossa casa. Foi um brazuca, morando em um civilizado país europeu, que enxergou a relação óbvia que existe entre andar despreocupado com um caro notebook em um ônibus e a distribuição mais igualitária de renda. Foi num país em que ele tinha que lavar o próprio banheiro que ele conseguiu associar esse ato a não ser assaltado nas ruas. Aqui não queremos discutir as causas, mas exigimos a solução policialesca para combater a violência e tirar os deserdados das ruas.

É claro que não suportaremos esperar a solução das causas para o policiamento de nossas cidades, cada vez mais violentas. Mas não podemos esquecer que Darcy Ribeiro – quando priorizou a educação – falava em 30 anos para sentirmos o efeito na violência. Nossos políticos não levaram à frente o projeto do Darcy, extinguem direitos trabalhistas numa sociedade injusta, aumentam a concentração de renda com o perdão da dívida dos empresários e aumento da tributação aos pobres, e a sociedade exige uma cidade sem violência. E para tanto, não importa o aumento da repressão. Já somos o estado que mais mata civis no mundo, caminhamos para sermos primeiro lugar em população carcerária, com impacto reflexivo no índice de violência e desejamos – paradoxalmente – uma sociedade pacata.

A violência e os deserdados são nossa culpa!

Também não queremos uma cidade convivendo com os deserdados que moram nas ruas e pedimos o seu recolhimento para onde os nossos olhos não enxerguem. Lembro que meu amigo Carlos Augusto foi secretário de Desenvolvimento Social do município e não pode transformar as reclamações da zona sul sobre população de rua em abrigos, hotéis e outras formas de atenção social na comunidade. A sociedade nem quer os sem tetos e nem quer que a solução fique por perto deles. A exigência era apenas o recolhimento para onde os nossos olhos não vejam. Talvez no inconsciente, mas espreitando o consciente e flertando com o fascismo, se deseje a solução de afogamentos no Rio da Guarda – que se não aconteceu no passado, simbolizou uma espécie de solução final tupiniquim aos nossos deserdados. Como desejamos as operações policiais nas favelas para conter a violência cometendo muito mais violência.

Mas nesses tristes tempos em que o fascismo escapou por entre as frestas de uma sociedade dividida por um ódio de classe que estava represado, no frio insuportável da garoa paulista, moradores de rua foram acordados com jato de água. E o prefeito, acusado por esse ato de lesa humanidade, declarou que o banho de água fria nos moradores de rua foi uma ação “descuidada” da firma contratada que faz a higiene das ruas de São Paulo.

Reparem que o prefeito, além de não pedir desculpa, tenta justificar o “descuido” por considerar que a população de rua não tem mais a humanidade e se confunde com a sujeira da cidade. Mecanismo fascista de desumanizar o outro para agir com violência sobre os corpos que não se reconhecem como iguais. Apenas um descuido. Como deve ter sido o recolhimento de cobertores para tirar as pessoas das ruas. Não cuidamos deles, cometemos pequenos descuidos.

Ato tão brutal como esse foi a tentativa de desmanche do fluxo de uso de drogas conhecido como Cracolândia numa bárbara operação policialesca. Voltamos ao século dezenove, onde o problema social era caso de polícia.

Se não repararmos nas causas, os sintomas não serão detidos. E a nossa sociedade apodrecerá muito em breve se é que já não esteja cheirando mal.


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