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O que representa a farsa da condenação de Lula

A condenação de Lula e dos petistas, com a absolvição dos que foram seus sócios, é uma farsa para tirar a esquerda que errou do jogo político

18 de maio de 2017, às 18:18 | Edmar Oliveira

Caminhamos celeremente para termos, nas próximas eleições permitidas, um segundo turno entre um candidato de direita e outro de extrema direita. Como soe ser parte da modernidade inaugurada pela França. Podem deixar que sejam apresentados candidatos de esquerda num primeiro turno sem chances de chegar ao segundo. Esse é um ponto que estabelece a prisão de Lula sem provas definitivas, mas com convicções exacerbadas. Convicções de uma direita de que Lula pode atrapalhar, um pouco que seja, a necessidade da implantação da desregulamentação da legislação trabalhista e da previdência, e também de uma esquerda convicta que a página Lula deve ser virada, embora não consiga apresentar ainda alternativas viáveis.

Esse é um desejo que se impõe em duas vertentes. Uma esquerda esclarecida acredita que a Lava Jato revelou a podridão da promiscuidade entre as empreiteiras e os políticos, o que não deixa de ser verdade, mesmo no caso Lula, mas nunca foi revelada quando os atores eram outros. Perdem a dimensão de que a Lava Jato foi montada apenas como um braço jurídico do golpe para aniquilar um partido que chegou ao poder e se lambuzou no mel da corrupção. 

O detalhe é que a operação jurídica deixa em paz os próprios sócios do PT que agora tentam dirigir a nação. Fosse em nome da corrupção, as provas contra Jucá, Moreira, Padilha e o próprio Temer – só para ficar no núcleo duro dos golpistas e que também serviram ao governo do PT – seriam suficientes para tirá-los do jogo, o que não acontecerá enquanto forem úteis aos interesses do capital. Portanto a moralidade aqui tem partido. E é de direita, como afirma as atitudes do juiz justiceiro que age como um legítimo adversário da esquerda e um ilegítimo membro do poder judiciário, maculando a justiça em apoio ao golpe.

Na vertente da direita temos um discurso implantando pela mídia que grassou nas cabeças ocas da classe média com poder de reverberar e produzir uma tacanha ideologia de direita: toda a esquerda é corrupta, não gosta de trabalhar, são bolivarianos, petralhas, esquerdopatas – num jargão médico de direita, com a capacidade de diagnosticar uma doença em quem pensa diferente deles. Enfim, comunistas, e “nossa bandeira nunca será vermelha” – numa hidrofobia assustadora. 

O resultado é a disseminação de um ódio – este sim carregado de paixões mesquinhas e, na passagem a ato, de uma violência ao que lhe é estranho. Você não pode colocar qualquer “mas” na culpa do Lula. Não há relatividade. Ele representa o mal que deve ser extirpado da face da terra. Resulta dai o fascismo adormecido dentro de cada um. E quando a direita nega a política torna-se fascista numa luta do bem contra o mal. E quando o bem pode ser representado por Dória ou Hulk, a negação da política fica muito próxima ao Bolsonaro, a uma ditadura de direita.

Ex-presidente Lula

Esse ódio às esquerdas (não é só ao PT e ao Lula – que fique bem claro) viraliza conduzindo uma burrice ilimitada, um conservadorismo do século XIX em que a homofobia, a misoginia, o racismo, o patrimonialismo, o criacionismo e a intolerância foram colocados para bem antes que essas lutas tentaram ensaiar revoluções por todo século XX. Temos um século XXI mergulhado no obscurantismo abissal. Não vicejam ideias libertárias e há um contraste entre o desenvolvimento tecnológico e a ignorância de um pensamento crítico capaz de por em risco a evolução humana. Este é o quadro atual num paralelo com a vitória do rústico pensamento de direita mundo afora.

Portanto, aqui, a condenação de Lula e dos petistas, com a absolvição dos que foram seus sócios, numa farsa política que nos acompanha desde e sempre, tem apenas o objetivo de tirar a esquerda que errou do jogo político. E mais grave, associar a ela toda a esquerda existente. Mesmo para quem não os ache mais de esquerda, eles representam as ideias que hoje são massacradas de forma determinada. Não tenhamos ilusão: a condenação de Lula e do petismo não libera o surgimento de uma nova esquerda. Está dito, nesta condenação política, que ela não será mais tolerada.

Temos que denunciar a farsa do jogo jurídico de agora. Senão, ele tirará qualquer esquerda da disputa política sempre que for necessário. Lula tem o direito de disputar as eleições, a não ser que se condenem – na mesma lógica – crimes semelhantes e até com provas robustas e não apenas convicções. Esse impedimento nos colocará numa farsa eleitoral gravíssima.

Ontem a mídia Ninja transmitiu o debate “Quero Prévias”, que reuniu  Marcelo Freixo, Fernando Haddad, Monique Prada, Ruy Braga e Tatiane Roque para um debate com sindicalistas, professores, historiadores. Uma esquerda mesclada e sem a cara do PT. Os comentários favoráveis nos coraçõezinhos e dedo pra cima do facebook perdiam para as manifestações de ódio, que viam na reunião uma ameaça ao pensamento fascista patrocinado pela mídia oficial e que viralizou como uma intolerância perigosa.

Estou entre os que não acreditam que Lula, numa hipótese de ser eleito, fará grandes mudanças (até porque não fizeram uma autocrítica dos seus erros), mas com ele teríamos diálogo para não perdermos tudo de vez como quer a direita. No momento temos que tentar vencer o fascismo. Esse é o inimigo maior que cresce assustadoramente. E a condenação de Lula é a sua vitória.


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