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Mais do que nunca, é preciso reconstruir "pontes"

A política é comunicação, é diálogo, é interação. Não há política sem que se tenha um intenso e complexo processo de comunicação

19 de junho de 2017, às 00:14 | Marcos Luiz

O comunicador Chacrinha bradava em tom de escracho, nas saudosas tardes de sábado, enquanto jogava um abacaxi ou uma banana para a plateia, aquele que ficou sendo o seu chavão mais conhecido: “quem não se comunica, se trumbica!”. A frase, que pode parecer muito simplória e jocosa à primeira vista, bem ao gosto do velho guerreiro, a meu ver tem muito mais importância do que pode parecer aos mais desavisados. Na verdade, comunicar é a base da existência humana. Não há dúvida que a comunicação foi de fundamental importância para que tenhamos chegado ao estágio civilizatório que nos encontramos nos dias de hoje, e possui importância capital para o desenvolvimento individual e coletivo. Sem comunicação não há sociedade.

Praticamente todas as atividades humanas dependem de comunicação, com raríssimas exceções. Mesmo o pensamento, quando realizado de forma individual, se utiliza de símbolos, linguagem, comunicação com o outro, para fazer-se presente na mente do sujeito. Há quem diga que não há pensamento sem linguagem. Se observarmos ao nosso redor, veremos que em praticamente tudo que fazemos há em maior ou menor escala a dependência de um processo comunicativo. Mesmo o mais simples varredor de rua, até o intelectual mais afamado, vai precisar de algum tipo de comunicação para bem exercer o seu trabalho. Não custa lembrar que a atividade de aprendizado do homem é em sua integralidade feita através de um processo de comunicação, o que por si só já demonstra o que é a linguagem e a sua relevância para a nossa existência.

Na política não é diferente. A política é comunicação, é diálogo, é interação. Não há política sem que se tenha um intenso e complexo processo de interação entre homens. A política se configura na prática como uma grande teia de comunicação, onde interesses e expectativas são conduzidas por indivíduos ao palco dos debates, que configuram o que se chama ordinariamente de “esfera pública” ou “espaço público”, ou seja, o local onde a sociedade interage e busca, coletivamente, a solução para os seus problemas. Exemplo disso era a Ágora grega (Ágora, ἀγορά, era a assembleia, lugar de reunião, derivada de ἀγείρω, "reunir", segundo o novo “pai dos burros”, a Wikipédia), onde aqueles que eram considerados “cidadãos” compareciam e lá definiam o futuro da comunidade, deliberações essas que eram sempre precedidas de profundos e acalorados debates.

Passados tantos anos, os seres humanos não mais debatem seus assuntos como na Ágora grega, o que não significa que não tenhamos mais um espaço público de debates. Pelo contrário: o que temos hoje é ainda mais opulento e diversificado do que o que havia antigamente. Hoje temos o rádio, a TV, as redes sociais, os aplicativos, o telefone, a praça pública, o cinema, a imprensa, os sites e blogs, a literatura, enfim, um grande complexo de meios que permitem a comunicação humana, e onde o indivíduo pode então expressar-se livremente a apresentar sua opinião sobre os assuntos do seu interesse e, principalmente, sobre temas que possuem forte apelo público.

Mais do que nunca, é preciso reconstruir "pontes"

E na democracia esse grande processo de comunicação é ainda mais importante. Aliás, creio que podemos chegar ao consenso que não há democracia no sentido liberal do termo se não temos um espaço apropriado para debates com ampla participação popular. Se as pessoas não podem se expressar, ir às ruas, manifestar suas concordâncias e discordâncias em relação a posturas políticas, a práticas governamentais, não temos aí uma democracia plena. Temos uma pseudodemocracia, uma democracia "capenga". É possível antever nessa premissa o seguinte: a democracia seria tanto quanto mais profunda e ampla quanto maior for o espaço para o debate, a participação popular, e atividade humana de comunicação e diálogo. Vai haver briga? Vai. Vai haver dissenso? Com certeza. Mas isso, ao contrário do que se possa pensar, não é um aspecto negativo. O dissenso e a discordância é inerente à política, à vivência em sociedade, uma vez que cada indivíduo é único, com suas vicissitudes e qualidades, e deve ser respeitado como tal, tendo pleno direito de expressar a sua individualidade.

Contudo, e de forma paradoxal, em paralelo ao crescimento dos meios que estabelecem “pontes” interativas entre as pessoas, vivenciamos, não só no Brasil, o crescimento exponencial da intolerância e agressividade no uso da linguagem. Noutros casos esses meios são utilizados mais para expressar o desejo de alguns (e não são poucos) por total publicidade do que propriamente para uma comunicação com o próximo voltada ao interesse coletivo. Daí temos os nudes, as self’s, a exposição pública da intimidade, e o fenecimento da privacidade enquanto valor humano. Progressivamente estamos perdendo a nossa empatia, o respeito e a galhardia, adotando uma postura muitas das vezes de isolamento e individualismo. Da época em que sentávamos à porta de casa e conversávamos animadamente com os amigos e vizinhos sobre tudo, sem qualquer receio ou medo de ser admoestado, temos pouca coisa no presente, e cada vez mais nos afundamos em um mundo de vaidades, egoísmo e desamor.

A ilusão de que podemos ter um mundo que seja a nossa cara, ou seja, de acordo com nossa visão das "coisas", que seria a perfeita segundo a nossa compreensão, precisa ser desfeita. O mundo é fruto de consensos e dissensos, de um constante diálogo, de uma interação cotidiana entre as pessoas, gostemos ou não disso. É preciso termos uma postura aberta ao diálogo. Ouvir, permitir que o outro fale, nos possibilitará conhecer as razões que levaram o nosso interlocutor a ser quem é e possuir a concepção de mundo que possui. Garantir espaços de fala para todos é crucial nesse fortalecimento dos laços sociais que conduzem a uma democracia pujante. Rever, criticamente, como a comunicação se estabelece e os vícios que possui nos dias de hoje, especialmente a comunicação de massa, é fundamental para corrigirmos os problemas que nos têm levado progressivamente à destruição de “pontes” de comunicação entre as pessoas, cada vez mais isoladas e mesquinhas em seus interesses egóicos.

A realidade de uma democracia pressupõe que saibamos diuturnamente tratar com o diferente, tendo a educação papel fundamental no esclarecimento e na formação de uma opinião pública bem formada e engajada em um projeto de mudança. É preciso cada vez mais que estejamos cientes de que para vivermos em sociedade não há saída sem o diálogo com o outro. É imperioso que baixemos a guarda, saibamos ouvir o outro, tentemos nos colocar no lugar do diferente. Não tenho dúvida que a empatia que se estabelece a partir dessa postura será um elemento fundamental para que possamos nos reencontrar enquanto povo, reconstruir os "dutos" que conduzem ao entendimento, e superar as mazelas que nos afligem na contemporaneidade. É preciso reconstruir essas "pontes", e mais do que isso, cultivá-las como um valor primordial para o florescimento da nossa democracia.


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