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Cota em concursos é mesmo um direito fundamental?

O Supremo Tribunal Federal, há dois meses, validou a lei de cotas para concursos públicos atribuindo 20% das vagas para negros

05 de agosto de 2017, às 18:45 | Raphael Bandeira

O Supremo Tribunal Federal, há dois meses, validou a lei de cotas para concursos públicos, admitindo a sua constitucionalidade ao atribuir reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para negros.

A decisão foi razoável?

Para refletir, é importante, antes, afirmar que a trajetória dos Direitos Fundamentais está umbilicalmente ligada com o constitucionalismo norte-americano.

Nos EUA, no caso Dred Scott (1857), a Suprema Corte Americana negou a constitucionalidade de leis abolicionistas e negou cidadania aos negros, ainda que libertos. Após a guerra civil americana, de 1861-1865, a 13ª Emenda acabou com a escravidão. No entanto, a Suprema Corte americana, no caso Plessy vs. Ferguson (1896), admitiu que negros fossem separados em transportes ferroviários, o lamentável “equal, but separated”. O mais importante julgamento pelos Direitos Fundamentais foi o caso Brown v. Board Education (1954), quando, finalmente, ficou revogada a orientação de Plessy vs. Ferguson.

Portanto, a Suprema Corte Americana não “criou direitos”, mas desfez um erro de quase um século que cometera no caso Dred Scott. Os vícios morais das Cortes Supremas demoram para ser desfeitos pela sociedade.

O caso brasileiro, de direitos fundamentais, ao menos no sentido em que eles existiram na história do constitucionalismo norte-americano, não tem qualquer semelhança enquanto um ‘Direito Fundamental’.

Foto de Ruby Bridges que lutou por seu justo direito à cidadania

O que está pode detrás da questão, a meu sentir, diz respeito a um princípio antigo, de séculos atrás, afirmado por John Locke quando pensou na criação e sentido do próprio Estado. Afinal, para que Estado? Disse ele no Livro II de ‘Dois Tratados sobre o Governo’:

“Deus e a razão do homem ordenaram que ele dominasse a terra – isto é, que a melhorasse para benefício da vida e depusesse sobre ela algo que lhe pertencesse, seu trabalho.(§31)”

O esforço pelo fruto do trabalho, sua propriedade, é, para Locke, um direito natural. Ninguém pode, pela força, tomar o que é seu. Nem mesmo o Estado, sendo-lhe esse direito oponível. Esse o sentido de existir um Estado: a proteção de seus cidadãos e de suas conquistas. Caso alguém destrua esse direito, estaria violando um direito natural do ser humano de proteção do fruto de seu trabalho e esforço.

Hoje temos uma leitura ‘social’, influenciada por Karl Marx/Fourier, de que o trabalho deve ser entendido enquanto atividade, consequentemente essa ideia cristã de recompensa pelo suor do esforço não faria sentido.

Se Locke estivesse vivo hoje e fosse brasileiro, provavelmente diria que a decisão do Supremo Tribunal Federal à favor das cotas não seria razoável, porque retira a igualdade em concursos públicos, cuja aprovação deve ser resultado, sempre, de seu esforço e, ao fazê-lo, desnatura e faz perder o sentido do próprio Estado.

E você, leitor, o que acha?

Na próxima sexta-feira, falarei sobre a questão dos refugiados.


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