Cinema e Livros

Disney+ lança série sobre brasileiro morto por engano pela polícia da Inglaterra

"Mostrar a verdade ao mundo" é o que move a mãe de Jean Charles de Menezes duas décadas após o assassinato do filho


Aos 80 anos, Maria de Menezes carrega uma determinação inabalável: continuar lutando pela memória de seu filho Jean Charles, o eletricista mineiro executado com sete tiros na cabeça e um no ombro pela polícia londrina após ser erroneamente identificado como terrorista. Passados quase 20 anos da tragédia ocorrida em 22 de julho de 2005 na estação de metrô de Stockwell, a dor permanece viva, mas também a busca por justiça.

"Não é que a gente é corajosa. É que, na verdade, a gente tem que ser forte, a gente tem que lutar para viver", desabafa Maria, que viajou do interior do Brasil até Londres para acompanhar o lançamento da série “Caso Jean Charles: Um brasileiro morto por engano”, produção do Disney+ que estreia em 30 de abril e promete revelar a verdadeira história por trás do assassinato que chocou o mundo.

A mãe do brasileiro, que tinha apenas 27 anos quando foi morto, deposita esperanças na nova produção. 

"Me garantiram que a verdade estava sendo contada. Eles seriam verdadeiros em relação à história, diferentemente de outros meios de comunicação e outras reportagens anteriores que contavam mentiras", revela em entrevista à BBC News.

Jean Charles de Menezes / FOTO: Álbum de família

RELATOS FALSOS E A LUTA PELA VERDADE

O que mais atormenta Maria são as narrativas iniciais que distorceram o caráter de seu filho. Relatos incorretos sugeriram que Jean Charles havia pulado catracas e agredido policiais antes de ser baleado - versões que ela veementemente contesta.

"Isso realmente me irrita porque eu conhecia meu filho. Ele nasceu de mim... Meu filho sempre foi um menino educado, obediente, sempre respeitou as leis e a ordem", afirma com a convicção de quem conhecia verdadeiramente o jovem.

Giovani da Silva, irmão de Jean Charles, compartilha o sentimento de alívio por finalmente ver a história completa sendo contada. 

"Estamos muito felizes que a realidade da vida do meu irmão esteja sendo contada. A vida de luta. Ele nasceu no interior, correu atrás e se mudou para outro país em busca de uma vida melhor", relata.

TERROR E EQUÍVOCO FATAL

O assassinato de Jean Charles ocorreu em um contexto de extrema tensão. Um dia antes, Londres havia sofrido tentativas fracassadas de atentados a bomba, apenas duas semanas após os devastadores ataques de 7 de julho de 2005, que deixaram dezenas de mortos na capital britânica.

A Metropolitan Police, responsável pela segurança de Londres, admite que o caso "ocorreu em um momento de ameaça terrorista sem precedentes" e expressa "profundo pesar" pelo ocorrido. "Nossos pensamentos permanecem com a família dele, e reiteramos nosso pedido de desculpas a eles", declarou um porta-voz da instituição.

A força policial também afirma que "nenhum policial sai para o trabalho com a intenção de acabar com uma vida" e que seu "único objetivo é exatamente o oposto — a proteção e a preservação da vida".

IMPUNIDADE QUE PERPETUA A DOR

Apesar das desculpas oficiais, nenhum policial foi individualmente responsabilizado pela morte de Jean Charles. A Metropolitan Police foi apenas multada por violar leis de saúde e segurança, e em 2016, a família perdeu o recurso apresentado à Corte Europeia de Direitos Humanos que contestava a decisão de não processar os policiais envolvidos nos disparos fatais.

A CRONOLOGIA DO CASO REVELA UMA LONGA JORNADA SEM JUSTIÇA EFETIVA

- 22 de julho de 2005: Jean Charles é executado na estação de Stockwell

- 17 de julho de 2006: O Ministério Público britânico decide não processar nenhum policial

- 1 de novembro de 2007: Metropolitan Police é considerada culpada por violar leis de saúde e segurança

- 12 de dezembro de 2008: Júri anuncia veredicto inconclusivo

- 16 de novembro de 2009: Acordo para pagamento de indenização à família

- 30 de março de 2016: Família perde recurso na Corte Europeia

SÉRIE REVELA A VERADE COMPLETA

A produção do Disney+, escrita e produzida por Jeff Pope, levou cinco anos para ser concluída devido à complexidade e sensibilidade do tema. 

"Foi um material incrivelmente difícil de debater, e de entender o que você queria dizer. Foi extremamente importante conversar com o maior número possível de pessoas e fazer a pesquisa. Nos mínimos detalhes", explica Pope.

A série aborda os acontecimentos antes, durante e depois da execução do brasileiro, apresentando múltiplas perspectivas sobre o caso que expôs falhas graves no sistema de segurança britânico.

DOR QUE ATRAVESSA GERAÇÕES

Vivian Figueiredo, prima de Jean Charles, não contém as lágrimas durante a entrevista e destaca a persistência da tia: 

"É simplesmente a obrigação que ela sente de lutar por justiça para ele. Ela tem 80 anos, acabou de sair de uma cidade pequena no Brasil, do outro lado do mundo, para vir aqui só para lutar por ele."

Com emoção, Vivian faz um apelo às autoridades. 

"A polícia deveria ser realmente cuidadosa, não simplesmente suspeitar e matar, porque uma vida não tem preço."

Para Maria de Menezes, a missão é clara: impedir que outras mães passem pela mesma dor. Enquanto se aproxima o vigésimo aniversário da morte de seu filho, ela segue determinada a "mostrar a verdade ao mundo" e preservar a memória de Jean Charles como o jovem trabalhador que deixou sua cidade natal em busca de uma vida melhor, apenas para ter seus sonhos brutalmente interrompidos por um erro fatal que permanece impune.

Cena da série / FOTO: Divulgação Disney+

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