Reportagens Especiais

Prisões brasileiras diminuem reincidência em até 85% utilizando método surpreendente

Como o "milagre" da educação e do trabalho cria presídios-modelo e desafia décadas de fracasso do sistema tradicional


Em meio ao caos do sistema prisional brasileiro, ilhas de esperança emergem com resultados surpreendentes. Modelos alternativos de detenção, focados em educação e trabalho, estão provando que é possível reduzir drasticamente as taxas de reincidência criminal no país.

O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 830 mil pessoas presas, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2023. Neste cenário de superlotação e condições precárias, a taxa média de reincidência criminal ultrapassa 70%, evidenciando o fracasso do modelo tradicional de encarceramento.

Contudo, experiências inovadoras espalhadas pelo território nacional mostram um caminho alternativo: unidades que investem em educação, qualificação profissional e trabalho registram índices de reincidência abaixo de 15%, uma redução de mais de 55 pontos percentuais em comparação à média nacional.

APAC: O MODELO QUE REVOLUCIONA A RESSOCIALIZAÇÃO

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) representa uma das experiências mais bem-sucedidas de modelo prisional alternativo no Brasil. Criada em 1972 em São José dos Campos (SP), a metodologia se expandiu para diversos estados brasileiros, com destaque para Minas Gerais, onde existem mais de 40 unidades.

Nas APACs, os detentos, chamados de "recuperandos", são corresponsáveis pela administração da unidade, participando ativamente da gestão do espaço. Não há presença de policiais armados ou agentes penitenciários, e a segurança é mantida pelos próprios recuperandos, sob supervisão de funcionários e voluntários.

O método APAC apresenta resultados impressionantes: enquanto o sistema prisional convencional tem custo médio mensal de R$ 3.500 por detento e taxa de reincidência superior a 70%, as unidades APAC custam cerca de R$ 1.500 mensais por recuperando e mantêm taxa de reincidência entre 8% e 15%, segundo dados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.


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EDUCAÇÃO COMO PILAR DA TRANSFORMAÇÃO

O acesso à educação formal e profissionalizante representa um dos principais fatores de sucesso nos modelos alternativos de prisão. Segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apenas 12,6% da população carcerária brasileira está envolvida em atividades educacionais, apesar da Lei de Execução Penal garantir esse direito.

No Centro de Ressocialização de Cuiabá (MT), a educação é obrigatória para todos os detentos. A unidade mantém parceria com a Secretaria Estadual de Educação e oferece desde alfabetização até cursos técnicos profissionalizantes. O resultado é uma taxa de reincidência de apenas 13%, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso.

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstrou que detentos que participam de atividades educacionais têm 40% menos chances de retornar ao crime após cumprirem suas penas, em comparação com aqueles que não tiveram acesso à educação durante o período de reclusão.

TRABALHO E PROFISSIONALIZAÇÃO: PONTE PARA A REINSERÇÃO SOCIAL

O trabalho dentro das unidades prisionais alternativas vai além da simples ocupação do tempo – funciona como ferramenta efetiva de ressocialização e preparação para o retorno à sociedade. No Complexo Penitenciário de Tremembé (SP), a implementação de oficinas profissionalizantes e parcerias com empresas reduziu a reincidência para 22%.

As unidades da Fundação "Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel" (FUNAP), em São Paulo, são exemplos de como o trabalho pode transformar realidades. Com mais de 50 oficinas de trabalho em diversas unidades prisionais do estado, a FUNAP oferece capacitação profissional e remuneração aos detentos, que podem economizar parte do salário para quando saírem do sistema.

Na Penitenciária Industrial de Cascavel (PR), os detentos trabalham em parceria com empresas locais, produzindo desde móveis até componentes eletrônicos. A unidade registra taxa de reincidência de apenas 7%, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Paraná. Cada detento recebe remuneração equivalente a 75% do salário mínimo, sendo que 25% é destinado a um fundo para quando ele deixar a prisão.

JUSTIÇA RESTAURATIVA E APOIO PSICOSSOCIAL

Além de educação e trabalho, os modelos alternativos bem-sucedidos investem em práticas de justiça restaurativa e suporte psicossocial contínuo. No Presídio de Itaúna (MG), que adota o modelo APAC, sessões de mediação entre detentos e vítimas (quando possível) são realizadas como parte do processo de ressocialização.

O acompanhamento psicológico contínuo também é essencial. No Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Porto Alegre (RS), cada detento tem sessões semanais com psicólogos e assistentes sociais, que acompanham seu desenvolvimento e preparam relatórios individualizados sobre seu progresso.

DESAFIOS PARA EXPANSÃO DOS MODELOS ALTERNATIVOS

Apesar dos resultados impressionantes, os modelos alternativos de prisão ainda enfrentam resistência para sua expansão em larga escala. O investimento inicial, a necessidade de capacitação específica para os profissionais e a resistência cultural são alguns dos obstáculos.

O financiamento também representa um desafio. Embora a médio e longo prazo os modelos alternativos sejam mais econômicos – considerando a redução da reincidência e dos custos sociais do crime –, o investimento inicial para adequação das unidades e capacitação dos profissionais é significativo.

A falta de continuidade nas políticas públicas é outro obstáculo. Experiências bem-sucedidas muitas vezes são interrompidas com mudanças de gestão governamental, prejudicando resultados que dependem de trabalho contínuo e consistente.

PERSPECTIVAS E CAMINHOS FUTUTROS

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem incentivado a adoção de modelos alternativos através do programa "Fazendo Justiça", que visa modernizar e humanizar o sistema prisional brasileiro. O programa prevê a expansão de unidades baseadas no modelo APAC e outros sistemas que demonstraram eficácia na redução da reincidência.

A expansão das parcerias público-privadas também surge como alternativa promissora. Empresas que contratam egressos do sistema prisional recebem incentivos fiscais, e algumas organizações já perceberam o potencial desse público como força de trabalho comprometida e produtiva.

Os modelos alternativos de prisão no Brasil demonstram que é possível transformar o sistema carcerário de um ciclo de violência e reincidência em uma oportunidade efetiva de ressocialização. As experiências bem-sucedidas compartilham elementos comuns: foco em educação, trabalho digno, acompanhamento psicossocial e valorização humana.

O caminho para a expansão desses modelos passa pela superação de resistências culturais e políticas, além do investimento consistente em políticas públicas baseadas em evidências. A sociedade brasileira precisa compreender que prisões mais humanas não significam impunidade, mas sim maior segurança pública a médio e longo prazo.

Que futuro queremos construir: um ciclo interminável de violência e reincidência ou um sistema que efetivamente recupera vidas e reduz a criminalidade? Os modelos alternativos já nos mostram que a segunda opção não é apenas possível, mas comprovadamente mais eficaz.

Unidade da APC / FOTO: STJ - Sebastião Reis Júnior

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